Porque
compões pá?
Esta é a
pergunta óbvia que eu merecia que me fizessem...
Lamentavelmente,
a questão de eu ser ou não compositor, é absolutamente irrelevante para a maior
parte dos que me “cercam” no dia a dia. Cada vez me sinto mais isolado enquanto
criador e, no entanto, paradoxalmente, nada disso me importa. A aura romântica
de alguém que compõe sob uma atmosfera de inspiração descontrolada, sombria,
doentia ou exaltada é algo que, curiosamente, ainda sinto apesar de não me
identificar pessoalmente com este paradigma da figura do compositor e sua
projeção artística, até porque esta imagem faliu gradualmente depois da segunda
grande guerra, e nada há a fazer em relação a isso. O mais singular é que eu
próprio nunca me senti na pele de tal tipo de compositor porque sempre me senti
mais completo, e com feedback mais ou
menos imediato, no papel de professor. O que agrava tudo isto é que na missão de
ser professor tudo mudou de mau para muito pior ao longo da última década, hoje
só dentro da sala de aula e com os alunos é que nos podemos iludir, fora isso,
nada mais interessa. Mas voltando ao tema deste pequeno texto, sempre me senti
como compositor (não por ter tido aproveitamento positivo num qualquer curso de
composição) uma vez que já o fazia mesmo antes de o estudar. Desde que comecei
a compor música, com maior ou menor frequência, sensivelmente depois de 1990, experimentava
a exaltação, que uma simples nota escrita provocava em mim, e perguntava-me a
mim mesmo como tinha sido possível eu ter juntado um som aos outros! Isso foi
algo que nunca mudou e depois de tantos anos (mais de 20!), pergunto-me porquê?
Tive tantos “contratempos”, para lhe chamar um nome suave, por compor! Tive que
enfrentar um mau curso, um professor castrador de gerações, tive que encarar os
invejosos e os medíocres, tive que tentar sempre ser professor, e outras tantas
tarefas inerentes à minha passagem por cá. Mas para quê tudo isto? Tantos são
os que dizem não valer a pena a pessoa aborrecer-se...
No entretanto,
deixemo-nos de devaneios, este não é o país da cultura, a grande parte das
pessoas não valoriza coisa nenhuma que não seja a aparência daquilo que supostamente
são, não diferenciam o trigo do joio, as instituições culturais são orientadas
no que fazem ou deixam de fazer por poderes mais fortes do que as suas próprias
linhas de pensamento; por outro lado as instituições não deixam de ser as
pessoas que nelas mandam e por isso mesmo foram as “escolhidas”. Tendo em conta
esta introdução e para quem estiver a pensar que agora não sairei mais deste
discurso de vitimização do artista mal compreendido, desengane-se. Não é por
isso que o estou a escrever. A razão que me leva a deixar como públicas estas
palavras é bem mais interessante e prende-se com a atitude perante os outros e
perante mim próprio no que diz respeito aquilo que faço, que é como já
perceberam, compor e ensinar a compor e fazer com que os alunos percebam alguma
coisa de música. O que hoje me leva a escrever estas linhas é o facto consumado
em mim mesmo de que me estou literalmente “nas tintas” para todo o tipo de
interesses e bajulices que seriam necessários para que a minha música fosse,
eventualmente, mais ouvida e tocada. Reparem que este não é o discurso de quem
perdeu ou está a perder, pelo contrário! Assumo na plenitude total das minhas
capacidades mentais que não me interessa praticamente coisa nenhuma em termos
profissionais que não seja o escrever música, nem que seja, como disse em
tempos, para a minha “gaveta”. Se sobrevivi ao terror do curso de composição da
ESMAE nos anos que por lá passei também vou sobreviver a tudo o resto.
Escrevo
agora este memorial por sentir algumas correspondências entre o ano de 2012 e o
ano de 1996 no que à minha produção musical concerne. O ano de 1996 foi um ano
particularmente atribulado e excitante para mim, tinha acabado o curso de
composição, tinha começado a trabalhar onde ainda hoje trabalho, e acima de
tudo, estava a compor com um ritmo muito marcado, cada momento, cada bocado de
tempo, tudo era aproveitado para compor, quando viajava, quando esperava por
alguém, quando ensinava, a cabeça e os sons estavam sempre ligados como se um
cordão umbilical se tratasse. Digo isto, sem explicar em detalhe, mas a verdade
é que um compositor não compõe apenas quando se chega perto do papel, ou do
computador, compõe sempre e depois só tem que passar ao chamado suporte, a
partitura, a ideia mais próxima daquilo que ouve. O ano de 2012 foi igualmente
marcado por um ritmo mais acentuado na minha produção escrita musical.
Escrevi aliás
este ano de 2012 mais obras do que em 1996, onze obras completas fora as que
ficaram em standby, a saber: meu madrigal de madrugada – (Orquestra de Cordas, Flauta, Harpa e Piano); Like a bandoneón – (Quarteto de Saxofones); Urban
Walk – (Marimba de 4 oitavas – versão pequena); Urban Walk –
(Marimba de 5 oitavas); Urban Walk
– (Duas Marimba de 5 oitavas); Old fashioned pieces for Harp – (Harpa); 10
peças infantis (Piano); Pequenas
histórias de um fagote – (Fagote e piano); Pequenas histórias de um Clarinete - (Clarinete e piano); O Elefante e a Pulga – (Coro infantil e
piano); Pequenas histórias de um Harpa
(Harpa), todas elas editadas, ou a editar, pela AvA Musical Editions. Apenas
uma destas obras foi apresentada na sua totalidade em público! Neste momento
tenho em mãos uma peça para Saxofone barítono e electrónica, um quarteto de
cordas, uma obra electrónica, e uma ou outra que não devo relevar. Estes
momentos de escrita musical funcionam para mim essencialmente como um meio de
sobrevivência, não aguentaria viver o que estou a viver no meio em que me movo
sem recorrer a estes momentos de criação, feita em minutos, horas e pouco mais,
entre muitíssimas tarefas a que a minha condição de pai, professor, cidadão
aparentemente apresentável, etc., me sujeitam. Repare-se que, compor música,
para além de ser aquilo que me faz sentir verdadeiramente vivo, é também, um
acto de higienização intelectual. Não sobreviria se perdesse isso!
Também a ideia de perder a memória me assusta porque tenho-a sempre
muito presente (do género da do elefante) e, apesar de me pesar como uma pedra de
granito, é o que me resta para estar consciente, lúcido e convicto das minhas
posições. É bastante fácil aos meus “não amigos” dizerem, “lá está ele com o
seu mau feitio... as coisas que ele sabe e pensa são certas, mas era melhor não
as dizer, não são socialmente aceitáveis e inteligentes, assim nunca pertencerá
a nenhum grupo, nunca será nem daqui nem dacolá”. E eu respondo que é assim
mesmo, não pertenço a lado nenhum senão a mim mesmo, mesmo que orgulhosamente
só, os tachos, lobbies, grupos e
afins são para os outros, não para mim. Para concluir, volto a reforçar que o
acto de compor e também ensinar os mais jovens a fazê-lo, é um privilégio, nem
todos o têm, e, quanto a tudo o resto, as imprecisões como alguns lhe chamam, o
esbanjar de incompetência, as fanfarras, as palminhas, os bombos, as latas e os
pinotes, parafraseando Mário Sá-Carneiro, não são mais do que verbos de encher
ou por encher, murchos, moles e colados uns aos outros, pura matéria plástica, como
compôs Frank Zappa, Plastic people.
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