terça-feira, 19 de junho de 2012

Pierre-Laurent Aimard na Casa da Música



Já foi há algum tempo, mas quem não ouviu...
Ontem assisti a um fenomenal concerto de um grande pianista francês. Tocou um dos melhores programas que eu já pude ver e ouvir. E não se trata de gostar ou não das obras ou compositores aí interpretados. É, aliás, bem mais do que isso! Trata-se de um fio condutor que só um pianista do mais alto nível poderia propor a um público. Para iniciar, algumas das peças dos “Játékok” (jogos) de Kurtág, que, de um só gesto, deslizam (numa espécie de “glissement” françes) para Schumman, op 99, e voltam a deslizar para “Splinters”, op 6d, também do mestre húngaro. No momento seguinte, o último Liszt, que vai preparar definitivamente, nomeadamente com “Les jeux d’eau” a la Villa d’Este, a segunda parte, o segundo caderno de prelúdios de Debussy. O fio condutor referido é a total unidade de uma linguagem musical aparentemente diversa, mas que está unida pelas escolhas de um pianista muito inteligente, que reuniu a intensidade de uma série de miniaturas musicais, em vez de pesadas e longas obras, que decidiu, sem hesitar, tocar duas partes seguidas, sem aplausos e a seu pedido expresso, que me deu a maravilhosa sensação de fazer ouvir uma nota em vez de muitas.
De assinalar dois aspetos negativos do concerto, por uma lado um piano que rangeu o concerto todo com uma altura, vulgo nota, que aparecia sempre que o pianista retirava o pedal. Enfim, não sei o que lá foi fazer o afinador no intervalo uma vez que na segunda parte o problema da maldita frequência mantinha-se! O outro lado negativo, é, irremediavelmente mais difícil de resolver... O comportamento de um público que não sabia ao que ia, o chamado público de “convites”, frio nos aplausos, as tosses do costume, acho que nem são da época, uma vez que se repetem em qualquer estação do ano, e, o mais lamentável, nos últimos momentos do segundo caderno, em “Feux d’artifice”, um destemido e irritante telemóvel a tocar desenfreadamente. Quanto ao resto, e ainda em relação ao público, foi o costume, a “fina nata portuense”, que não conheço apesar lá ter vivido até há muito pouco tempo e durante mais de trinta anos, a dormir profundamente (literalmente ao meu lado) e até a ressonar (um pouco atrás de mim) e a passagem habitual de, posso jurar, alguma centena, ou mais, de casacos de pele com senhoras lá dentro. Nesta dita “fina nata” não se incluem, obviamente, as pessoas que, como eu, compraram o bilhete para ir ao concerto e lá estiveram com muito gosto.

Braga, 5 de fevereiro de 2012.

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