domingo, 12 de junho de 2005

Exuberância

Arte e pensamento
Em 1992, Emmanuel Nunes afirmou numa entrevista:

“Quando observamos substâncias orgânicas ao microscópio, e também os astros do sistema solar, somos atingidos pela exuberância que reina em toda a parte. O júbilo está inscrito na Natureza. E quando um intérprete é grande, mesmo ao tocar pela milésima vez uma obra que sabe de cor, acrescenta-lhe a exuberância da sua vida interior. A exuberância, cuja presença se revela nalgumas das minhas obras, nomeadamente em ‘Grund’, não surge como o resultado de uma vontade. Inscreve-se na própria realidade do fenómeno musical. Poderá de resto uma obra de arte ser apenas fruto do pensamento? Se pretendermos que assim seja, ou ouvimos mal, ou a obra foi mal pensada”.
5 Comments:
At Domingo, 12 Junho, 2005, pb said...
Confesso que fiquei surpreendido com este texto de Emanuel Nunes. É que relacionei sempre a sua obra com o domínio do arquitectónico, do pensamento e da razão e não tanto com o júbilo que escapa à força do criador. Acho estas frases de Emanuel Nunes um verdadeiro assombro, fantásticas mesmo...

At Domingo, 12 Junho, 2005, César Viana said...
Deveria contactar pessoalmente com o Emmanuel Nunes. Ele costuma dar uns cursos na Gulbenkian várias vezes por ano e é um homem brilhante e apaixonante, embora, por vezes, difícil.
A surpresa poderá vir do facto de, por vezes (e não digo que seja o seu caso), associarmos o júbilo ou outras manifestações expressivas a certos tipos de música e não a outros. Penso que a partir do momento em que a técnica de composição esteja razoavelmente dominada há sempre lugar para estes tipos de expressividade ou outros, independentemente do tipo de música. O problema é quando o compositor é escravo da técnica por não a dominar. Aí não há pura e simplesmente “júbilo” ou , se houver, vem de receitas e clichés. Há também o caso, possivelmente o do E.N., de a linguagem da obra apresentar certo tipo de dificuldade que faz com que só ao fim de um tempo é que possamos descortinar o seu potencial expressivo.
Os seus posts revelam um grande sentido de oportunidade e pertinência já que, quase sempre, suscitam interrogações e vontade de “charlar”. É, sem dúvida, um dos meus poisos favoritos na blogosfera.

At Domingo, 12 Junho, 2005, Horácio said...
Gostei muito pb. A música como o cantar dessa desmesura que transborda, o júbilo inscrito na natureza, a natura. E uma fenomenologia da música onde o pensar, o entendimento não está nas antípodas da sensibilidadea, da estética. Como diz Emanuel: “Se pretendermos que assim seja, ou ouvimos mal, ou a obra foi mal pensada”.
um braço
Horácio

At Domingo, 12 Junho, 2005, pb said...
Cheguei a passar por um dos cursos do Emanuel Nunes aqui há uns anos e foi também dessa altura que a impressão, manifestada no comentário acima, me ficou. Nunca me esqueço o terror que Nunes manifestava ao ver oitavas escritas! Herança (pesada) pós dos pós-serialismos... Mas ouvi, ouvi muito, e gostei sempre das suas obras, passei mesmo dias da minha vida a ouvi-lo. Lembro-me particularmente de uma Edição dos Encontros de Música Contemporânea da Gulbenkian (compositores ibéricos, salvo erro, para aí em 96 ou 97) quase exclusivamente dedicada a Emanuel Nunes, em que ouvi desde as suas (longas) obras para instrumento solo até às estreias das grandes obras orquestrais. Nessa altura ouvia e vasculhava tudo que dissesse respeito à composição, não perdia nenhum espectáculo dos Encontros, aliás mudava-me de armas e bagagens para Lisboa, ai conheci também Jorge Peixinho, a quem ainda hoje ninguém fez justiça, com quem partilhei interessantes conversas em longos jantares e almoços (também com Álvaro Salazar e António Sousa Dias).
Bem, já me estou a esticar, como é hábito dizer-se... Assim sendo, vou ter que publicar um dia destes algo sobre Jorge Peixinho, compositor que tanto escreveu, sempre, sem parar, até ao fim...

At Terça-feira, 14 Junho, 2005, paulo mesquita said...
A propósito de Emanuel Nunes, e tendo em conta os seus condicionalismos físicos, alguém me dizia que a escrita para piano de Nunes parecia que tinham saído directamente do piano (da forma da mão, portanto de um pianista), tal a sua qualidade em termos de pianismo.

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