sábado, 11 de junho de 2005

Ionisation

Ionisation foi composta entre 1929 e 1931 e é possivelmente a obra mais característica de Edgar Varèse por ser, e antes de mais, a sua única composição exclusivamente feita para instrumentos de percussão. O uso de vários instrumentos de altura indefinida, de sirens, do piano descontextualizado semanticamente, e ainda outros aspectos, fazem desta obra um importante avanço no radicalismo da linguagem musical de Varèse. É mesmo a primeira obra de música pura para percussão solo nascida no meio musical do ocidente. A integração de sonoridades urbanas num contexto composicional tinha que ser uma realidade e era absolutamente necessária. Varèse não pretendia o uso de sonoridades (ruídos) urbanas descontextualizadas de um pensamento musical organizado como era o caso das obras resultantes do movimento futurista italiano, obras estas que conhecera depois da primeira guerra em Paris. Algumas das técnicas e a própria instrumentação da obra, para além de um grito de revolta futurista, eram, sim, um passo importante para uma nova música que não seria possível com instrumentos das famílias tradicionais – madeiras, metais e cordas (...). Em Ionisation Varèse não altera nada daquilo que eram os seus traços essenciais de escrita. A sua preferência por temas que insistiam e polarizavam uma nota – neste caso não é uma altura mas uma ideia rítmica - até ao seu limite (como o da flauta em sol em Amériques), campos dinâmicos verdadeiramente contrastantes, grande diferenciação tímbrica, ritmos complexos totalmente independentes, libertação do sistema temperado. Tudo isto, não era, afinal, o que Varèse sonhava para uma nova forma de organizar o som? Uma nova forma de orquestração era neste contexto instrumental um dado inevitável. Como orquestrar com um efectivo instrumental tão invulgar? Tinha aqui o terreno ideal para dar resposta a esta pergunta, numa obra feita quase exclusivamente para instrumentos de percussão de altura indefinida. Em suma, esta obra foi exemplo marcante de uma nova música, sendo ainda hoje, uma das peças mais tocadas e um marco importantíssimo no repertório de ensembles de percussão.
4 Comments:
At Sábado, 11 Junho, 2005, César Viana said...
Um post muito interessante. Também acho que esta obra tem uma enorme importância pelo facto de pura e simplesmente recusar os que, até então, tinham sido os pilares da música ocidental: melodia e harmonia. Como era possível estruturar uma obra sem temas, sem tónica e dominante, sem... sem?


At Sábado, 11 Junho, 2005, pb said...
É verdade!
Tenho uma admiração especial por Varèse pela forma como se deteve persistentemente sobre aquilo em que acreditava. Foi pena que só nos últimos tempos da sua vida, quando já merecia um justificado repouso, lhe tenham reconhecido o génio e mérito...
(este excerto de texto é parte de um trabalho académico que realizei há uns anos).

At Terça-feira, 14 Junho, 2005, Paulo mesquita said...
Sem dúvida um post de difícil comentário, pois já está lá quase tudo em relação à Ionisation.
Resta-me pois dizer Bravo.
Quando, em análogo contexto académico, estudei essa obra confesso que, em casa, me divertia, um pouco à laia da primeira peça da Musica Ricercata de Ligeti(sempre na nota lá, ora oitavada, ora alternada, com cadência final a ré ), a tentar transpôr para o piano a ionisation.
Claro está que tive de «quitar» o piano com umas partituras e uns cd's dentro das cordas, de modo a a conseguir a diferenciação tímbrica desejada, e o resultado até nem foi mau. Em certas partes acabou por resultar bem. Mais unma vez os parabéns pela forma como apresentaste a análise deste assombro de obra.

At Terça-feira, 14 Junho, 2005, pb said...
Obrigado a todos os comentários.
Paulo Mesquita, neste texto, como dizes, não está lá quase tudo porque lhe falta o essencial, a análise, embora, claro, não seja este o “sítio” ideal para tais apresentações. Aliás neste espaço tento sempre, com alguma dificuldade, não ser muito técnico, faço um esforço por isso pelo menos...

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