Para além da questão do ensino especializado da música, que é o que tema que sempre mais me preocupou, ainda há a música contemporânea portuguesa em si mesma. A maior parte das obras que escrevo (desde 1990 sensivelmente) nunca foram tocadas, e aquelas que o foram não passaram da primeira e única vez. A comparação que posso estabelecer e forma mais simples de perceber é a de um escritor que escreve um livro para crianças, por exemplo, e apenas uma criança no mundo o ler! Não há qualquer forma, que eu esteja a ver de este tipo de coisas mudar por diversos motivos.
(comentário meu algures no facebook)
Quem ler o que acabei de escrever pode tirar vários
tipos de conclusões...
pode eventualmente pensar que estou a
aludir aos velhos problemas dos grupos daqui e dali, dos que são mais
privilegiados no que à divulgação da sua música concerne, ou das questões das
periferias - onde agora me incluo cada vez mais uma vez que me mudei do Porto
para Braga, uma cidade sem qualquer tipo de estimulo cultural sério que eu
vislumbre - e dos centros de poder, ou, pura e simplesmente, pode o leitor
pensar, que afinal o tipo (eu) não tem é nada decente para mostrar e está para
ali a lamentar-se. Mas desenganem-se os que põem acreditam em qualquer uma das
hipóteses simplistas anunciadas acima! Sempre me passou literalmente ao lado
todos este tipo de quesitos. No que diz respeito à composição portuguesa penso
que tivemos um longo e sinuoso período, durante o século XX, verdadeiramente
negro no que à qualidade diz respeito, com uma série de clichés atrasados do
que melhor se fazia pelo resto do mundo em termos musicais. A época a que me
refiro, com algumas excepções, é o chamado “antigo regime” que fez também os
seus estragos no que à música portuguesa dizia respeito. Agora temos este
modelo de “Actual Regime” disfarçado de coisa boa e democrática que também é, e
muito, repressivo. A ressaca do antigo regime é o “Actual Regime” que hoje se
vive. Voltando à questão central deste pequeno prelúdio, que é a composição
portuguesa, sempre achei que a diferença de divulgação e amostragem da música
dos compositores vindos de Lisboa e os do Porto se justificava. Pessoalmente, nem
sequer estranho o facto de a massa composicional de Lisboa estar muito mais
representada em Portugal (nomeadamente no norte) e no resto do mundo. Afinal há
uma diferença de qualidade e quantidade abissal entre aquilo que foi produzido
de um lado e do outro lado do país ao longo dos últimos 20 anos. É evidente que,
para além de nós mesmos, tudo tem uma causa e responsáveis. Os poucos
compositores portuenses que saíram do curso de composição da escola superior de
música nos anos noventa não foram formados, foram, de forma lapidar, claramente
deformados! Nas duas décadas seguintes, alguns apenas, iniciaram um processo
lento de reconstrução e desconstrução de uma série de tiques e fobias confusas
transmitidas pela intitulada geração de 60 reiniciando tardiamente a
recuperação do seu espaço enquanto compositores. Alguns endireitaram-se e
sempre escreveram música, outros não, e ele houve outros ainda que não tinham mesmo
porque se endireitar.
Conheço, e sou leitor atento do que
melhor se escreve sobre a produção cultural e, em especial da produção musical,
no nosso país. Confesso-me como alguém que partilha uma grande parte das
lúcidas e claras ideias difundidas por António Pinho Vargas na sua tese de
doutoramento – “Música e Poder: Para uma
sociologia da ausência da música portuguesa no contexto europeu”. No
entanto, como em tudo, nem sempre nos revemos na totalidade dos argumentos de
quem mais nos convence e há algo que percebi como não referido no que a “ausência da música portuguesa na europa”
diz respeito. Num pais, pequeno como é o nosso, assistiu-se, até sensivelmente ao
final de século XX, a uma clara assimetria entre a formação de compositores
oriundos de Lisboa, que foram sempre muitos, e os do Porto. Será que esta
realidade concreta não terá tido os seus efeitos nefastos para além das vitimas
mais próximas, ou seja, os projectos de compositores do norte? Será que esta
questão não é ela mesma uma das causas do enfraquecimento da própria realidade
composicional para além das fronteiras territoriais? Porque a evidente ausência
da música portuguesa na europa e consequentemente em Portugal? Para além das muitas
razões da fraca visibilidade da música portuguesa na europa apresentadas por
António Pinho Vargas, com que concordo na totalidade, na sua tese de
doutoramento e livro, poderia, com certeza, constar também esta assimetria que
refiro aqui, a de um país provinciano que nunca sairá dos ambientes que Eça de
Queirós tão bem caracterizou.
Note-se que eu nem sequer acho que a
música portuguesa moderna e contemporânea tenha que ter visibilidade só porque
sim! Defendo mesmo que um bom programa de concerto não tem que ter música
portuguesa, mas porque é que a há-de ter? Onde está isso escrito? É, aliás, de
um provincianismo absoluto alguém pensar que deveria ser assim, só porque nos orgulhámos
de ser portugueses, em nome de um qualquer tipo de nacionalismo bacoco, nada
presente em praticamente tudo o que fazemos. Muito sinceramente, tanto me faz
ser português como ser outra coisa qualquer! É-me indiferente... o que penso,
isso sim, é que um bom programa de concerto deve primar pela forma de
organização e interação entre as várias obras nele presentes e, acima de tudo,
pela qualidade e coerência do objecto estético aí revelado em música. O que não
se pode é colocar intermediários castradores e desabilitados (não me refiro a
habilitação académica, mas sim, aos que vivem felizes sem o mínimo de saberes
culturais) a organizar programas culturais de instituições, programas mal
conduzidos, ou, até, in extremis, a
gerir a própria cultura. Parece-me que, com os erros da história da música
pouco ou nada se aprendeu por cá, basta lembrar as escandalosas estreias de
obras Edgard Varèse em Paris, pois nada poderia funcionar, como é óbvio não
ouviria com normalidade uma estreia de uma obra de Varèse entre Mozart e Mendelssohn. Mas todas estas questões têm os
seus quês… para vermos pontes entre compositores diametralmente opostos é
sempre necessário termos uma visão de conjunto que justifique as nossas
escolhas. A título exemplificativo, e na primeira ideia que me ocorre, porque é
que um concerto que cruze um certo tipo de obras de Bach, Kurtág, Janacek,
Webern e Scriabin vai funcionar? A resposta a esta pergunta está com certeza na
evidência de pensamento de quem as propõem enquanto programa de um eventual
concerto. Para tal é necessário alguns saberes culturais, não muitos, mas
alguns... ele há coisas que nunca se escondem, e a maior é, sem dúvida, a
ignorância. A minha questão fundamental em relação à música, quer seja ela a
portuguesa ou outra, é sempre a mesma e contradiz o espírito das regras
“sociais” e democráticas, é aquela que banaliza a célebre frase de que “o gosto
não se discute”! Discute, pois. E, concretamente, o gosto musical discute-se e
educa-se. Só é pena é que já ninguém esteja para isso, nem para educar nem para
ser educado.
Gostos assimetricamente discutíveis...
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