terça-feira, 31 de maio de 2005

Apolo e Dionísio (pois...) [2]

Na continuidade dos comments ao post “Apolo e Dionísio (pois...)” (...) no entanto é curioso que Hesse, nos muitos escritos em que aborda a temática musical, refira com grande frequência Mozart quando quer apresentar, de forma simples e directa, o conceito de belo musical. Mas, por outro lado, o que é um facto para mim é que quando ouço e analiso Mozart, por exemplo, nem que seja “apenas” um andamento de uma sonata para piano, vejo lá muito mais do que técnica, clareza, construção e razão! Nem que seja, repito, a obra mais inocente e menos ambiciosa, está lá sempre o compositor de génio dionisíaco, que soube aliar tudo que era preciso para fazer a “melhor música de sempre”: razão, saber técnico, vivência humana e emoção, afinal, aquilo a que comummente chamamos de “inspiração”.
9 Comments:
At Quarta-feira, 01 Junho, 2005, sasfa said...
Li há pouco na revista “Farmácia saúde” que a psicóloga portuguesa Cláudia Borralho investigou a relação entre os gostos musicais dos adolescentes e a ideação suicida!!
“ De acordo com este estudo (...) existe de facto uma ligação entre os tipos de música, e alguns músicos, e ideias suicidas. Assim, por estranho que pareça, não são as batidas de estilos musicais mais agressivos e violentos (...) que despertam tendências suicidas, mas sim os acordes saídos do génio de Beethoven. Foi, de facto, este compositor que a investigadora comprovou estar mais fortemente associado às ideias visando pôr fim à vida.” [Farmácia saúde no 104, Maio 2005]
EH, eh, Beethoven, um clássico, a par de Marylin Manson, Korn ou Limp Bizkit!!!!
É claro que o estudo vale o que vale, mas não deixa de ser curioso...
Resta saber quais seriam os acordes, se dos primeiros, se dos últimos...

At Quarta-feira, 01 Junho, 2005, César Viana said...
Quais dos acordes? Os maiores, os menores, de sétima...? Os das danças escocesas ou dos quartetos? E que adolescentes?
Teria curiosidade em saber sobre quantos indivíduos incidiu o estudo e quais os “estilos” de música considerados. Será que houve também forró e marchas militares? E fado?
Mas é muito engraçada a situação. Obrigado pela divulgação. Bom, voltando a coisas sérias, como é o caso do post que comentamos, não me parece que seja o carácter mais apolínio ou dionisíaco que distingue, por si só, os clássicos dos “românticos”, como lhes chama Hesse. Em ambos os casos há compositores com ambas as tendências em maior ou menor grau (o que não quer dizer que este não seja - também - um factor a ter em conta.

At Segunda-feira, 06 Junho, 2005, paulo mesquita said...
Realmente o estudo plasmado nessa dita revista só me dá vontade de rir, muito menos de ir à farmácia mais próxima buscar uns ben-u-rons, quando muito um ri(H)nomer( o H é mudo por causa da SPA), que está em falta, cá em casa. Eu acho que há aqui um notório problema de semântica, só para não ir mais longe.

Conquanto eu viva proximamente com a investigação em psicologia - uma área pela qual eu tenho um enorme respeito e admiração, e que aproveito para dizer que está constantemente a ser usurpada por profissões laterais, pois parece que neste país toda a gente diz/quer ser psicólogo, de unma forma ou de outra, mas ao que parece eles (os e as psis) não são precisos - este estudo parece fundado em chão lamacento ou de muito pouca sustentabilidade, pelo menos. Se foi uma tentativa de despertar a comunidade científicomusical ( ou musicalocientífica), no que a mim me toca, estou ainda com mais sono. Se isto foi uma tentativa de, num discurso light,prosaico e consonante, introduzir uma dissonância que nos desperte na cadeira ou um moscardo para nos espicaçar, desengane-se, prefiro adormecer com as Goldberg (grande onda. Tal como foi referido, seria interessante aferir da amostra. Será que esse tal público alvo é dos USA??, perguntar-me-ão.
Se calhar não andamos muito longe.
Será que este estudo foi levado a cabo no âmbito estrito da Psicologia séria, em si, ou na alçada da Psicologia da música, que, não raro, nem é uma coisa nem é outra.
Alguém deve ter comentado aquela máxima do Romantismo: “a tempestade e ímpeto” a tal “sturm und drang”, e vai daí, como se falou em tempestade e ímpeto, toca a inferir suicidas.
Eu acho que o nome de Beethoven surgiu para, de certa forma, tentar colocar algo que, à partida, pudesse credibilizar ou fazer apelo a algo sério. Devia ler-se, em vez de Beethoven, Ian Curtis( joy Division) ou Jim Morrison(Doors)e a tal premisa da barreira dos 27 anos( não tenho bem a certeza).
Quanto aos acordes, hoje há quem hes chame adição de notas ou agregados. Pois numa coisa esse estudo parece ter razão, o suicídio pode ter sido, e foi de facto, potenciado pela adição / agregados / acordes de substâncias mais ou menos psicotrópicotoxicizantes.
Quanto à questão Apolíneo e dionisíaco,em apreço, acho que os outros intervenientes já abordaram amplamente o essencial e eu detesto ser prolixo.

At Segunda-feira, 06 Junho, 2005, pb said...
Acho que foi assim (mas posso estar enganado):
os três Jotas!
Morreram Jim Morrison, Janis Joplin e Jimi Hendrix, todos aos 27 anos, por razões semelhantes (droga e álcool), e todos do signo sagitário (para quem siga os astros)...
Estranho...

At Segunda-feira, 06 Junho, 2005, sasfa said...
Não percebo porque se abespinham todos por causa do estudo de psicologia... sabemos lá se o estudo está bem ou mal feito, se a amostra é ou não relevante, se a psicóloga sabe ou não o que está a fazer...
Mas porquê presumir logo que não?

At Segunda-feira, 06 Junho, 2005, Paulo Mesquita said...
Eu sou Sagitário, tal como o Beethoven.
Já fiz os 3 x 9 há uns tempos.
Que Eu saiba, ainda estou vivo.
Será que é porque vivo com uma psicóloga.

At Segunda-feira, 06 Junho, 2005, Paulo mesquita said...

Já agora, o Ian também poderá ser considerado Jan?
Assim já são 4 jotas.
Sasfa-te

At Quarta-feira, 08 Junho, 2005, César Viana said...
Confesso que não me abespinhei; pelo contrário! Foi um momento engraçadíssimo. Mas repare, quando o ponto é o descrito, se a investigação for muito fundamentada, só pode trazer disparates muito bem fundamentados. De qualquer modo (confesso, não li tudo, mas a avaliar pelka amostra...)

At Sexta-feira, 17 Junho, 2005, sasfa said...
Continua a saga das revistas...
Li hoje na revista Grande Reportagem um artigo interessante acerca da música ambiente e dos danos que esta normalmente causa. Com algumas excepções: verificou-se que em algumas estações de metro os actos criminosos diminuiram significativamente a partir da altura em que se introduziu música ambiente de Mozart!!! Aparentemente não será confortável assaltar alguém ao som desta música...
P. S. Não posso citar nem precisar a data da revista porque tive vergonha de a roubar do consultório médico.

segunda-feira, 30 de maio de 2005

Apolo e Dionísio (pois...)

Há dois tipos de música. Uma delas é clássica, a outra romântica. Uma é arquitectónica, a outra pictórica. Uma socorre-se do contraponto, a outra dá a primazia ao colorido. Dos que pouco percebem de música, a maioria apreciará mais facilmente a música romântica. A música clássica não tem para oferecer as orgias e a embriaguez da romântica, mas por outro lado também nunca acaba por criar a repugnância, o peso na consciência e a ressaca que a última pode provocar.

Hermann Hesse, Música - (De “Notizen”, 1912)
5 Comments:
At Segunda-feira, 30 Maio, 2005, Rostos said...
A pintura dança com pés de algodão, quando rodopia nos braços da música. E nada é por acaso. Na altura, Hermann Hesse escreveu este texto, e apaixonou-se pelas belas paisagens de Ticino, dedicando-se à pintura. Realmente, adoro ver as artes a dançarem entre si, como se estivessem dentro de um quadro de Matisse. Sim. É esse o som que procuro, quando crio... que dancem os teus sonhos...

Um abraço amigo do Pedro.

At Terça-feira, 31 Maio, 2005, César Viana said...
Chamamos “clássica” à música de Haydn, Mozart e Beethoven (alguns juntam, para trás, Bach, ou, para a frente, Schubert.
Chamamos “clássicos”, na literatura, a Homero, aos três tragediógrafos, a Píndaro e pouco mais. Porque será? Que faz de Ésquilo, Sófocles e Eurípides clássicos na mesma medida em que Bach, Mozart e Beethoven o são? É claro que quando pergunto “porque será?” não me refiro aos contextos históricos ou estéticos que levaram a estas designações. O ponto é que elas são mais do que meras designações convencionais. Trata-se efectivamente dos “clássicos” por excelência, por ventura os únicos. Em ambos os casos temos 3 criadores que viveram num espaço de menos de 100 anos (!), em períodos em que existia um claro paradigma estético, sendo assim o papel do criador muito o de levar até à exaustão o aperfeiçoamento “daquele” tipo de forma ou género. Isso originou criações que, no fundo, não são alegres nem tristes, positivas ou negativas. Transmitem um tipo de emoção muito próprio ao próprio género que lhes serve de suporte. Surgem-nos muitas vezes como uma espécie de manifestação “crística” de alguma superior ordem ou harmonia estética universal revelada aos restantes mortais para que pudessem ter um caminho a seguir...

At Terça-feira, 31 Maio, 2005, pb said...
Caro César Viana,
Esse “paradigma estético” referido é sustentado e direccionado para aquilo a que chamamos de espírito clássico (da perfeição, da forma, da proporção aritmética, do ideal de beleza, etc.) esteja ele no tempo da Grécia antiga ou na Alemanha/Áustria dos séculos XVII a XIX. Acho que esta singela frase de Hermann Hesse visava apenas uma apreciação empírica da música, suportada nos conceitos da ordem (apolíneo) e do prazer (dionisíaco), deixando para trás outras questões...
Um abraço, Paulo.
(continuo este comment no post seguinte, fica lá mais enquadrado, acho eu...)

At Quarta-feira, 01 Junho, 2005, César Viana said...
Claro. O meu comentário não era uma interpretação do texto do Hesse mas sim uma reflexão (devaneio?...)a propósito.


At Quarta-feira, 01 Junho, 2005, pb said...
Eu sei, eu percebi. A minha intenção foi só prolongar estas ideias nomeadamente para o próximo post.

domingo, 29 de maio de 2005

Gen Paul (3)


Le Saxophoniste

crise e pacificação (dominante e tónica)

São conhecidas as interpretações da música tonal como um sistema em que, dada a tonalidade inicial, toda a composição se apresenta como um sistema de dilações e de crises propositadamente provocadas com o único objectivo de se poder restabelecer, com a confirmação final da tónica, uma situação de harmonia e paz, tanto mais apreciada quanto mais a crise foi prolongada e articulada. E é conhecido que se identificou neste hábito formativo o produto típico de uma sociedade baseada no respeito de uma ordem imutável das coisas: por isso a prática da música tonal convergia na reiteração de uma persuasão no plano teorético quer no plano das relações sociais. Evidentemente que uma relação de «espelhamento», posta em termos tão apertados, entre estrutura social e estrutura da linguagem, apresenta o risco de parecer uma generalização impossível de ser verificada; mas é também verdade que não é por acaso que a música tonal se afirma na época moderna como a música de uma comunidade ocasional, cimentada pelo ritual, do concerto, que exercita a própria sensibilidade estética em horas certas, com uma roupagem adequada, e paga um bilhete para gozar crise e pacificação de maneira a poder sair do templo com o espírito devidamente catartizado e as tensões resolvidas.

Umberto Eco, Obra aberta, 1962
2 Comments:
At Domingo, 29 Maio, 2005, sasfa said...
Pois... isso também pode explicar as dificuldades de afirmação da música contemporânea...

At Sexta-feira, 03 Junho, 2005, César Viana said...
Conheço bastante bem esta antiga obra do Eco. Esta passagem em particular parece-me infeliz ou, pelo menos, superficial. No caso da dominante em relação à tónica, falar em “crise” é desadequado, já que existe uma resolução única e inevitável - a tónica - e todos sabemos qual é ela. Podemos sim, e adequadamente, falar em tensão e resolução. Esta tensão, aliás, só existe porque todos sabemos qual é a resolução prevista, a “normalidade”. Crise seria uma situação onde todas as soluções fossem possíveis, mas isso é a antítese do sistema tonal. Acho que tónicas e dominantes não têm nada a ver com a aceitação da música contemporânea. Muitas vezes confundimos “consonante/dissonante”com “tonal/atonal” Existe música extremamente consonante em que não há vestígios de tonalidade (no sentido de direccionamento hierárquico) e música profundamente dissonante que é absolutament tonal. A comunicabilidade não se pode resumir a este tipo de factores. Toda a música era tonal no século XIX e as pessoas não gostavam de tudo! Penso que as grandes questões da comunicabilidade ou não da música contemporânea são um caldo em que terão de conviver carisma, inspiração, pertinência social e estética, educação exigente O Eco, que é um grande pensador, escreve por vezes sobre assuntos que domina menos e é então irritantemente disparatado (veja-se o fraquíssimo livro que saíu agora sobre traduções “Dizer quase a mesma coisa”).

Gen Paul (2)


Le Violoncelliste, 1955

modernos já quase esquecidos

Quanto à música moderna, ouço pouco: o meu interesse pára em Ravel e Bartók, mas ouço na rádio muita coisa nova com alguma simpatia. Dos modernos já quase esquecidos, gosto de Busoni e Berg.

Hermann Hesse, Música - (de uma carta de 1952 a Willi Kehrwecker)
4 Comments:
At Segunda-feira, 06 Junho, 2005, João Delgado said...
Alban Berg já não é moderno, permita-me dizer que é um clássico (um daqueles de que se fala num post acima...).
Vale a pena ouvir Ligeti, Nono, Berio, Werner Henze e algum Boulez (marteau sans maitre é uma obra prima).

At Segunda-feira, 06 Junho, 2005, César Viana said...
Calma, João! É o Hesse a falar...

At Sexta-feira, 17 Junho, 2005, sergio azevedo said...
O Hesse, embora grande escritor, era um retrógrado musical que só gostava de Schumann. Há escritores dos dois géneros, os que gostam de música, como Mann, e os que não gostam (como Torga), e ainda há aqueles que não a compreendem. Hesse é um deles.

At Sexta-feira, 17 Junho, 2005, sasfa said...
O facto de um músico preferir uma época literária à sua própria não faz dele um inapto literário!!!
E depois, a triagem dos verdadeiramente grandes faz-se ao longo das décadas/séculos seguintes... É o que distingue as obras primas das que não o são; mas não é preciso estar dentro, ou à frente do seu tempo, para se pertencer aos grandes. Pensemos em Bach...

direito mas sem pauta

Escrevo como Deus: direito mas sem pauta. Quem me ler que desentorte as palavras. Alinhada só a morte. O resto tem as duas margens da dúvida. Como eu, feito de raças cruzadas. Meu pai, português, cabelos e olhos loiros. Minha mãe era negra, retintinha. Nasci, assim, com pouco tom na pele, muita cor na alma.

Mia Couto, Estórias Abensonhadas, 1994
5 Comments:
At Domingo, 29 Maio, 2005, Luís Aquino said...
Quem ainda se lembra dos cadernos da primária com pautas - uma linha em cima e em baixo para fazer de guia aos estreantes na escrita. Acho que só usei isso uma vez; em 1976 já devia estar a cair em desuso, se calhar também houve um 25 de Abril nos cadernos diários.

Bem.. isso deve ajudar a explicar o facto de ainda hoje eu ter dificuldade em ler a minha própria letra.

At Domingo, 29 Maio, 2005, Luís Aquino said...
PB, por que é que mudaste a imagem que te identifica no blog? Será que agora que há mais links na blogosfera a encaminhar para o teu Tónica, não queres que te reconheçam. Não é por nada, mas na imagem que estava anteriormente estavas mais fotogénico...!

At Domingo, 29 Maio, 2005, pb said...
Hehe!
Mudei, simplesmente. Aquela impressão digital não era minha de qualquer forma...
At Domingo, 29 Maio, 2005, Luís Aquino said...
Não era tua, como? Ia jurar que era...

At Domingo, 29 Maio, 2005, pb said...
Não era mesmo minha.
Tinha tirado aquela imagem da net e depois, entretanto, disseram-me que com impressões digitais não se deve “brincar”, pode trazer alguns riscos, por isso, desapareceu. De qualquer forma a imagem que lá está agora fui eu que a fiz, é mesmo única e tem tudo a ver com o blogue porque é mesmo, literalmente (musicalmente), uma tónica dominante!
Abraço.

sábado, 28 de maio de 2005

Gen Paul (1)


Le violoniste - lithographie

(Gen Paul: Peintre, gouachiste, dessinateur, graveur, lithographe. Montmartre (96, rue Lepic) 2 juillet 1895 - La Pitié-Salpétrière 30 avril 1975)

complicada mas belíssima

Agora sei que naquele dia Novecentos decidira sentar-se diante das teclas brancas e pretas da sua vida e começar a tocar uma música absurda e genial, complicada mas belíssima, a maior de todas. E que era àquela música que iria dançar o que restava dos seus anos de vida. E que nunca mais seria infeliz.

Alessandro Baricco, Novecentos, 1994

retrato (4)


Darius Milhaud por Gen Paul, 1963

quarta-feira, 25 de maio de 2005

cine-inkérito

Recebi este cine-inkérito do Plasticina.

1. Qual o último filme que viste no cinema?
Xiiii!
Já foi há tanto tempo que nem me lembro...

2. Qual a tua sessão preferida?
Meia-noite. Sem dúvida!

3. Qual o primeiro filme que te fascinou?
O primeiro filme já não sei mas este é com certeza o “filme da minha vida”:
Morte em Veneza de Luchino Visconti.

4. Para que filme gostarias de te ver transportado(a)?
Prova d’orchestra de Federico Fellini.

5. E, já agora, qual a personagem de filme que gostarias de conhecer um dia?
Muitas, por exemplo, qualquer uma dos filmes de Pedro Almodóvar

6. E que actor(actriz) / realizador(a) / argumentista/produtor(a) gostarias de convidar para jantar?
Björk, porque, para além de cinema, havia música!

7. A quem vou passar isto?
Ao Contemporâneas, ao Analepse e ao Ideias Soltas.
2 Comments:
At Quinta-feira, 26 Maio, 2005, t. said...
Boa malha!

At Sexta-feira, 27 Maio, 2005, guile said...
cool :)..

domingo, 22 de maio de 2005

de conhecimento obrigatório (8)

one size fits all.jpg
Frank Zappa, One Size Fits All, 1975

1. Inca Roads
2. Can’t Afford No Shoes
3. Sofa No. 1
4. Po-Jama People
5. Floentine Pogen
6. Evelyn, A Modified Dog
7. San Ber’dino
8. Andy
9. Sofa No. 2

Frank Zappa all guitars, lead vocals on Po-Jama People, Evelyn and Sofa No. 2, bg vocals on other tunes
George Duke all keyboards & synthesizers, lead vocals on Inca Roads, Andy and Sofa No. 2, bg vocals on other tunes
Napoleon Murphy Brock flute and tenor sax, lead vocals on Florentine Pogen and Andy, bg vocals on other tunes
Chester Thompson drums; gorilla victim
Tom Fowler bass (when left hand is not broken) Ruth Underwood vibes, marimba, other percussion James “Bird Legs” Youmans bass (on Can’t Afford No Shoes)
Johnny “Guitar” Watson flambe vocals on the out-choruses of San Ber’dino and Andy
Bloodshot Rollin’ Red harmonica when present
1 Comments:
At Domingo, 05 Junho, 2005, Paulo Cardoso Mesquita said...
No primeiro tema, Inca Roads, os mais cépticos quanto à idoneidade de zappa, ou melhor, todos aqueles que reputem o compositor como não sendo a pessoa mais idónea deste mundo(enquanto compositor, leia-se)basta esquecer a letra e o cantor e imaginar, projectando um qualquer instrumento, seja de sopro, seja cordas a tocar o tema per se - que por sinal é um grande tema - para termos a noção do potencial do senhor. Remetendo-os para o cd the Perfect Stranger(com um tal de Boulez - pois o Pierre !!!!) ou até para o GRANDE Yellow Shark( e o seu Be-Bop tango fenomenal), ou ainda mesmo o cd Zappa com a London Symph.Orchest, com Kent Nagano,as Obras padecem de enorme aceitação, sendo mesmo apelidadas de eleição em termos de música Séria, acabando mesmo imputadas a alguns “Eleitos”. Mas tudo muda quando resolvemos enquadrar a paternidade. É pena, o adn não engana. Po-Jama People (nós por cá temos a malta do fato de treino, no shopping ao domingo) e Florentine Pogen são igualmente memoráveis. Grande CD, por sinal o primeiro que um tal pb me mostrou em 94.

12


Somebody once said we never know what is enough until we know what’s more than enough.

Billie Holiday

«música histórica»

(...) a objectividade, que nos clássicos era apenas um ideal de universalidade não implicando a abdicação da personalidade, devem aqui estética fria, obsessão do inexpressivo, arte mecânica, seca, matemática, de onde é proscrito todo o lirismo, todo o colorido, todo o conteúdo emocional; e, consequências disto, as tentativas de «música histórica», as, quanto a mim, estéreis revivescências dos «estilos clássicos», ou, melhor, de certas modalidades dos «estilos clássicos» (...)

Fernando Lopes-Graça, «Apresentação de Stravinsky», 1931, Música e músicos modernos

«A inteligência e a musicalidade dos animais»

A inteligência dos animais está acima de qualquer suspeita. Mas o que faz o homem para melhorar o estado mental destes resignados concidadãos? Proporciona-lhes uma instrução medíocre, espaçada, incompleta, que nem a pobrezinha de uma criança haveria de querer para si, e com razão (...). Nos programas de um tal ensino nunca estão presentes a arte, nem a literatura, nem as ciências naturais, morais, ou outras matérias. De forma alguma os pombo-correios são preparados para a sua missão, ensinando-os a usar a geografia; os peixes são mantidos à margem do estudo oceanográfico; as vacas, os carneiros, os bezerros ignoram tudo sobre a estrutura de um matadouro moderno, e nada sabem do seu papel nutritivo na sociedade construída pelo homem.

Erik Satie, «A inteligência e a musicalidade dos animais», Memória de um amnésico
1 Comments:
At Terça-feira, 24 Maio, 2005, ADSUM said...
Coitadinhos dos animais que vivem na ignorância. E dizem que há tantos por aí... :)

Estes textos do Satie são fantásticos. Boa escolha!

sexta-feira, 20 de maio de 2005

Ensino “muito pouco” Especializado da Música (2)

A alfabetização musical do País, através do ensino primário, do ensino liceal, do ensino universitário, das escolas elementares de música (ainda por criar), continua por fazer, não podendo eu aqui deixar de referir que a tentativa, planeada por um dos primeiros Governos Provisórios saídos da Revolução de Abril, de uma reforma de ensino da música nas escolas, na qual um escolhido grupo de pedagogos da especialidade chegou a trabalhar e a apresentar o resultado do seu trabalho (possivelmente provisório mas que se anunciava como um excelente ponto de partida), veio desgraçadamente a parar em nada, possivelmente por acção daquelas forças obstrucionistas que sempre no País estiveram (e continuam a estar) dispostas a empecer todo o surto de progresso nos espíritos e nas instituições...

Fernando Lopes-Graça, Apostila, 1981
3 Comments:
At Sexta-feira, 20 Maio, 2005, pb said...
24 anos depois e este texto ainda tão actual!
Uma desgraça este país...

At Sexta-feira, 20 Maio, 2005, Carlos a.a. said...
Esta tentativa de reforma, onde se encontraram muitos músicos que já desapareceram e que hoje estão esquecidos, teve o mesmo epílogo que a de Vianna da Motta e Luís de Freitas Branco nos anos 20! Lixo!


At Sexta-feira, 20 Maio, 2005, pb said...
Pois é, pois é...
logo a seguir veio o 310/83 que era teoricamente a tão prometida reforma do ensino da música posta em lei. Viu-se com o passar dos anos que serviu apenas para abrir as Escolas Superiores de Música do Porto e Lisboa e pouco mais... depois (em 1998) ainda tivemos o Encontro Nacional do Ensino Especializado da Música no Teatro da Trindade onde estive presente (nessa altura era ainda bem crente) a defender o sentido de uma profissão que acreditava ser de carácter especializado... também ai saíram frustradas quaisquer soluções... Entretanto os anos passaram, passaram e instalou-se a “javardice” total! Hoje pode-se dizer, com segurança, que, com a “democratização” do ensino, há mais escolinhas de música, mais professorzinhos(as) de música e “palminhas”, mais pop e rock nas escolinhas, tudo muito mais animado e menos a sério, mais ensino (des)articulado e até (des)integrado para que o precário seja o objectivo, não a atingir, mas sim, a manter ad libitum.
CONTINUEMOS POIS ASSIM, QUE ESTAMOS MAL!

Chant d’amour

(...) faut-il être amoureux pour composer un chant d’amour? Il faut surtout avoir du talent pour la composition musicale. Quant à l’état amoureux, s’il peut être, à l’occasion, un stimulant, il n’est jamais un plus esthétique.

André Boucourechliev, Le langage musical, 1993

quinta-feira, 19 de maio de 2005

11

monk.jpg
Some of Monk’s compositions are very simple, meaning not difficult for a musician to play. However, the impact of these compositions is very profound (...) His rhythmic approach is unique. It might sound like he is having trouble keeping the time. “Time” describes the underlying pulse of the music, the pulse, the flow, the beat, the swing of the musical situation. Monk had great time. He always knew when it was swinging, and it was always vital to him that his group swung and swung hard. What sets Monk apart from most musicians is that he didn’t play the swing feel himself. The swing feeling had to be there in the group. When the group was really swinging, then Monk could get into his thing, which was to rhythmically react to the music in his own very personal, original way. But it always fits with his musical surroundings. The main point is: Don’t ever think Monk’s ‘time’ was bad. He was always in sync with the music, but his way.

Don Sickler, The Monk Sound, Magazine “DU”, 1994

10

parkerellingtonarmstrongevansfitzgerald
ornetteJarrettdaviscoltranebaker
5 comments
At Quinta-feira, 19 Maio, 2005, Luís Aquino said...
Os discos destes também os levavas para uma ilha deserta ou é só o teu top ten de preferências do Jazz? Assim à primeira, escolhia o ‘Bird’(está tão lavadinho na foto!), o Louis (ao início pareceu-me o Gillespie),a Ella e o Chat. Então e quem é o pretinho à esquerda na fila de baixo?
E não se arranja uma vagazita para o Dizzy e o Theolonius?

At Quinta-feira, 19 Maio, 2005, pb said...
O pretinho à esquerda é Ornette Coleman, saxofonista a quem se atribui o estilo “Free Jazz”. Mas realmente o Dizzy e o Thelonius fazem falta aqui... principalmente Thelonius...
Ainda vou resolver esta injustiça.
Assim não pode ficar!

At Quinta-feira, 19 Maio, 2005, samovar said...
hum...
(Foi para me irritar... eu sei que foi por isso que não pôs o Thelonius... grrrrrrr)

At Quinta-feira, 19 Maio, 2005, pb said...
Foi como o comment de samovar ao post “20”.
Também só foi para me irritar! :-P

At Sexta-feira, 20 Maio, 2005, ADSUM said...
Nota alta para este post. E nota 10 para a Ella. Beijos

l’expression directe de la volonté

La musique n’est pas, comme les autres arts, une manifestation des idées ou degrés d’objectivation du vouloir, mais l’expression directe de la volonté elle-même.

Schopenhauer, Le monde comme volonté et comme représentation

O piano de Morton Feldman

Morton Feldman: You know there’s a very interesting paper I once read about somebody... played on the original pianos of great composers. How Schumann harmony sounded on that instrument. The clarity of the harmony was extraordinary. Under a big light. Chopin’s piano sounded just like Chopin - that he never really played loud. The piano cannot play loud. That he made a mezzoforte sound big. And because of the level of the piano, that what he wrote on that piano was the best that sounded on that piano.

Somebody once came to my house, and wanted a criticism of their playing some years ago, and for some reason played the SONATINE by Ravel, and she stopped and she said: “On your piano, it sounds like your music.” Very, very interesting - the importance of one’s instrument.

Bunita Marcus, I went away, she used my piano. I came back, I said: “Did you work?” She said: “What I did, I did in half of the time, because I worked on your piano.”

I love the piano to work, because the balance on it... marvellous instrument.

Kevin Volans, Conversation with Morton Feldman
1 Comments:
At Sábado, 21 Maio, 2005, sasfa said...
Pois, nunca tinha pensado nisso do ponto de vista de um compositor, mas faz sentido...
A relação de um instrumentista com o SEU instrumento é uma coisa especial, principalmente para aqueles que tocam instrumentos “portáteis” e não estão habituados a sofrer constantes trocas!
O caso dos pianistas é um bocado mais complexo, porque têm, no acto, que se identificar com um instrumento desconhecido... Faz-me lembrar uma certa luta do Nelson Freire com um Steinway fantástico, numa sala fantástica, mas com quem ele “antipatizou” sem razão aparente. Segundo ele, a antipatia era mútua e não conseguiram entender-se...

20

ligetischoenbergBerioCagegubaidulina
debussybartokstravinskyboulezfeldman
Adamsnonokurtagsatiewebern
SaariahoravelbergvareseStockhausen
2 Comments:
At Quinta-feira, 19 Maio, 2005, samovar said...
(aqui devia haver legenda, caramba... quem são estes desconhecidos todos??)

At Quinta-feira, 19 Maio, 2005, pb said...
Posso pôr uma legenda se necessitas! E no post “10” também é preciso?

quarta-feira, 18 de maio de 2005

Música para “ouvir”?

Retirei esta parte de um texto do blogue “Tonalatonal”, com autorização do autor, é claro, por se entrecruzar muito bem com alguns posts recentes do Tónica Dominante.

O momento presente é de um impasse, onde uns vêem o fim da música clássica, num mundo tecnocrático, economicista, hedonista e acelerado, e outros distinguem mesmo assim uma luz ao fundo do túnel. APV, nos seus textos (ao fim e ao cabo o pretexto deste post), é pessimista e um espelho da angústia do criador que se interroga sobre a sua própria utilidade. Mas não tenhamos ilusões: os artistas musicais deixaram de ser úteis a partir de Beethoven. Com a Revolução Francesa e a queda das monarquias e aristocracias autocráticas na Europa, que ainda agonizam durante todo o século XIX, e têm um fim simbólico com o assassinato de Nicolau II e Dom Carlos, a Revolução Bolchevique e a 1a Guerra Mundial, juntamente com o crescente laicismo das sociedades e a decadência de gosto da própria Igreja Católica, a música deixa de servir para mais nada a não ser para se ouvir, luxo cada vez mais caro e inapetecido. Podemos até perguntar-nos se a música foi realmente, e alguma vez, pensada para se “ouvir”, ou meramente para “servir”. Tocada durante banquetes, cerimónias, ar livre, salões com barulhos constante, celebrações religiosas, etc, etc, terá a música alguma vez sido verdadeiramente “ouvida”?

Sérgio Azevedo, “Tonalatonal”, (extracto) António Pinho Vargas e a inutilidade
do artista hoje, 2005
1 Comments:
At Quinta-feira, 19 Maio, 2005, Patrícia said...
terá a música alguma vez sido verdadeiramente “ouvida”? Quero muito acreditar que sim. Acho que se vai aprendendo a ouvir música. e este é um processo com muitos retrocessos e avanços e por isso, muito longo.

terça-feira, 17 de maio de 2005

La objectividad

Uno de los sectores artísticos donde los problemas relativos a la objectividad, o mejor a la objetivalización, del lenguaje y a su estructuración resultan particularmente evidentes es el de la música moderna (...)

Gillo Dorfles, Naturaleza y artificio, 1968

Adição

Que aos dons da natureza se juntem os benefícios de artífice - tal é a significação geral de arte.

Igor Stravinsky, Poética da Música

Hasard et nécessité

On se souvient de la remarque de Schoenberg: “Ma musique n’est pas moderne, elle este simplement mal jouée.” Ce pourrait n’être qu’une boutade, si elle n’était révélatrice d’un état de fait qui a considérablement oblitéré un accès véritable à la musique d’avantgarde, dans la première décennie de l’après-guerre.

François Porcile, Les conflits de la musique française (1940-1965), 2001

sábado, 14 de maio de 2005

“mal amada” arte já em 1896!

As nossas observações práticas permitem-nos definir a oposição nos seguintes termos: a arte moderna tem um fundo predominantemente pessimista, enquanto a atitude do moderno proletariado é profundamente optimista. Toda a classe revolucionária é optimista (...). É óbvio que isto não tem nada a ver com utopismos. O lutador revolucionário poderá analisar friamente as possibilidades de ganhar ou perder a luta; mas só é um lutador revolucionário porque está possuído da convicção inabalável de que é capaz de transformar um mundo. Neste sentido, todo o trabalhador com consciência de classe é optimista: olha para o futuro cheio de esperança. E vai buscar essa esperança precisamente à miséria que o rodeia.
A arte moderna, pelo contrario. É acentuadamente pessimista. Não conhece saída para a miséria cuja descrição é o seu assunto preferido. Provém de círculos burgueses e é o reflexo de uma decadência incontrolável, que nela se reflecte bastante fielmente. À sua maneira, e desde que não seja simples intenção de modas, ela é honesta e verdadeira, está muito acima dos Lindau* e das Marlitt*, mas é absolutamente pessimista, na medida em que, na miséria do presente, só vê a miséria.

* Crítico teatral, romancista e dramaturgo de “boulevard” na linha de A. Dumas e Sardou.
* Autora de romances cor-de-rosa do fim de século XIX.

Franz Mehring, Arte e proletariado, 1896

À parte isso...

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

TABACARIA
(extracto), Álvaro de Campos, 1928
2 Comments:
At Segunda-feira, 16 Maio, 2005, t. said...
Pois.
:)

At Segunda-feira, 16 Maio, 2005, Analepse said...
Deste poema imortal, um excerto que sempre me comoveu:
«(Come chocolates, pequena;
Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)»

sexta-feira, 13 de maio de 2005

Música “mal amada”!

Among the reproaches most obstinately repeated by these critics, the most widely spread is that of intellectualism: modern music has its origins in the brain, not in the heart or the ear; it is in no way conceived by the senses, but rather worked out on paper. The inadequacy of these clichés is evident. The critics present their arguments as though the tonal idiom of the last 350 years had been derived from nature (...). The idea that the tonal system is exclusively of natural origin is an illusion rooted in history (...). The feeling that, in contrast to traditional music, the conception of modern composition is more intellectual than sensory is nothing but evidence of incomprehension (...). What is labelled as emotion by musical anti-intellectualism yields without resistance to the mainstream of current social logic (...). On the other hand, the objective consequence of the basic musical concept, which alone lends dignity to good music, has always demanded alert control via the subjective compositional conscience. The cultivation of such logical consequence, at the expense of passive perception of sensual sound, alone defines the stature of this perception, in contrast to mere “culinary enjoyment”.

Theodor W. Adorno, Philosophy of modern music

(Afinal o texto de George Steiner publicado no post “5% ou menos” já nem em 1977 acrescentava grande coisa ao que Adorno, uns anos antes, tinha denunciado. Com efeito, esta temática recusa-se a deixar de ser actual quer se fale de Schoenberg, da quantificação e aceitação de todas as novas músicas pelo público ou da coragem dos compositores contemporâneos que “persistem” em dar ao público o seu melhor.
Discutamos pois então a temática da música “mal amada”! Ass: pb).
4 Comments:
At Sexta-feira, 13 Maio, 2005, César Viana said...
Como diria o Schönberg “prefiro compor como um intelectual do que como um idota”. (cito de memória, não sei se são estas as palavras exactas, mas o sentido é este.


At Sexta-feira, 13 Maio, 2005, pb said...
Hehhee!
Devem ser essas as palavras pois...

At Domingo, 15 Maio, 2005, Teresa said...
“Que estranho conceito de música tem determinada categoria de críticos (a que ousarei chamar hiper-racionalistas), quando dizem de certas obras literárias que não se coadunam ao seu feitio especial de mentalidade, que elas «escapam à crítica», que «não são para serem pensadas mas sim sentidas» e que por isso são de «natureza musical»!!!...”
Fernando Lopes-Graça, 1933

“[...] a música para os autênticos músicos e para todos os que a compreendem verdadeiramente [é] uma coisa tão ‘pensável’ como qualquer outra coisa ‘pensável’, uma actividade que oferece tantas possibilidades de que sobre ela se exerça o espírito crítico como qualquer outra actividade intelectual”
Fernando Lopes-Graça, 1939

At Segunda-feira, 16 Maio, 2005, Analepse said...
Bem, esta coisa da criação humana (neste caso específico, artística)ter a sua origem somente nos mecanismos da razão ou nos dos sentidos é mais velha que a Sé de Braga; pelo menos tão velha quanto Descartes ou John Locke (na verdade quanto Platão ou Sócrates, mas não queria ir tão longe. Como esta divisão faz para mim tanto sentido como os anúncios ‘prova de sabor Planta’, prefiro recuperar o que Rousseau disse no século XVIII sobre o assunto, e que hoje haveria de ser qualquer coisa como isto:

O homem não se constitui apenas de intelecto pois, disposições primitivas como as emoções, os sentidos e os instintos existem nele antes do pensamento elaborado; estas dimensões primitivas são para mim, mais dignas de confiança, do que os hábitos de pensamento que foram forjados pela sociedade e impostos ao indivíduo.

retrato (3)


John Cage
Photograph on rear dust cover of A John Cage Reader (hardcover edition, C. F. Peters).
3 Comments:
At Sexta-feira, 13 Maio, 2005, César Viana said...
“The maker of a camera who allows someone else to take the picture” J.C.


At Sexta-feira, 13 Maio, 2005, pb said...
Foi John Cage que disse isso? Mas com que sentido terá isso sido dito...?

At Sábado, 14 Maio, 2005, César Viana said...
Não me lembro exactamente, mas penso que referindo-se à liberdade concedida ao intérprete e aos imprevisíveis resultados da indeterminação em muitas das suas obras.

a single gesture

The Expressionistic miniature of the new Viennense School contracts the time dimension by expressing - in Schoenberg’s words - “an entire novel through a single gesture.”

Theodor W. Adorno, Philosophy of modern music

“cronométrico Funes”

Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, contudo, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair.

in Jorge Luis Borges: Prosa Completa - Funes, o Memorioso, 1979 (Tradução de Marco Antonio Frangiotti)

segunda-feira, 9 de maio de 2005

Utopia!

“UTOPIA! UTOPIA!” Já oiço gritar os nossos sábios e os que tratam de adocicar a barbárie do Estado e da arte contemporâneos, ou seja, as pessoas ditas práticas, que no exercício da sua prática quotidiana se entregam continuamente à mentira e à violência ou, no melhor dos casos, quando lhes resta alguma honestidade, à ignorância.

Richard Wagner, A Arte e a Revolução, 1849

Mitsuko Uchida na CdM

Há umas horas atrás ouvi Mitsuko Uchida nas três últimas sonatas de Beethoven.
Que programa para um concerto! (por mais que se goste de Beethoven...) Na primeira parte com as sonatas 30 e 31 foi bom mas faltou convencer uma plateia sempre ruidosa (pelo menos três telemóveis ouvi – isto de concertos no norte é outra coisa, é pessoal muito ocupado, não há que perder tempo com concertos e deixar de lado os negócios e algum telefonema importante – está correcto, sim senhor!).
Na segunda parte, com a 32, Uchida, deixou o público aos seus pés, suspenso nos seus trilos em pianíssimo! (Há muito tempo que não ouvia uma sala tão silenciosa como que a pairar sobre o nada...) No fim, agradeceu, agradeceu, “desculpando-se” por não tocar mais.
Acabou, nem um encore!
Realmente, depois da sua intensa interpretação da op. 111 era complicado tocar o quer que seja mas, quem sabe, se não foi eventualmente, e apenas, uma resposta aos três toques de telemóvel da primeira parte... Afinal não é habitual termos no Porto nomes como Mitsuko Uchida todos os dias e, como diz o outro, cada público tem aquilo que que vai fazendo por merecer. Não há encores para ninguém!
6 Comments:
At Terça-feira, 10 Maio, 2005, Oficial e Comentadeiro said...
Medidas de profilaxia contra plateias ruidosas

1. No caso dos telemóveis 1.1.Imediatamente antes do começo do concerto, passar um aviso sonoro: «Ai e tal...É favor desligar os telelés senão o artista chateia-se» Isto em português, inglês, francês e svenska (não sei que lingua é, mas vem sempre no menu dos dvd, por isso deve ser importante) 1.2.Em alternativa, revistar a assistência à entrada, obrigando todos os portadores a deixarem o dito aparelho no bengaleiro. Não se faria nenhuma identificação dos tlms, porque isso ficaria muito caro e a CdM é um exemplo de poupança; no fim do concerto, a devolução resolvia-se distribuindo os aparelhos fazendo uma correspondência, que me parece justa,entre o modo de vestir e a marca de telemóvel. Ex.:os telemóveis da quarta geração iriam para quem usasse peles, mostrasse as chaves de um Mercedes ou exibisse dente de ouro; os aparelhos pré-históricos (+ de 3 anos)para quem se apresentasse de t-shirt ou tivesse ar de artista (ainda que vagamente).
2.No caso dos ataques de tosse:
2.1.Os prevaricadores (aqueles que tossissem mais de 1,5 vezes), no fim do concerto, seriam atirados aos donos dos telemóveis que tivessem ficado a perder com a devolução.

At Terça-feira, 10 Maio, 2005, pb said...
Valente “oficial e comentadeiro”!!!
No ponto de 2.1 quase rebentava de rir!!!
Assim sim, vale a pena...

At Terça-feira, 17 Maio, 2005, sasfa said...
Não é só no norte que estas coisas acontecem... Lembro-me do último recital da Maurizio Pollini na Gulbenkian, onde aconteceu exacatamente a mesma coisa. Bom, não três telemóveis, só um, mas já nos encores!! O ar incrédulo de Pollini...

At Sexta-feira, 20 Maio, 2005, Anonymous said...
Admira-me que tenham sido 3 telemóveis apenas... ou teria sido o mesmo telemóvel a tocar três vezes?


At Sexta-feira, 20 Maio, 2005, pb said...
Ai Paulinho, Paulinho! Com que então Anonymous? Pois, pois...

At Sábado, 04 Junho, 2005, pb said...
Afinal não era o Paulinho o ou a Sr(a) Anonymous. É o que acontece quando não se assina os comments...

sábado, 7 de maio de 2005

La réalité d’une transcendance

Je suis convaincu que les oeuvres d’un Homère, d’un Goethe, d’un Dostoïevski, d’un Beethoven, d’un Picasso ne peuvent exister dans un monde totalement séculier et qu’elles posent la question de l’existence de Dieu. La musique en particulier me démontre la réalité d’une présence, d’une transcendance.

George Steiner, Entretien avec Jean-François Duval, 1998

A propósito de "5 % ou menos?"

A propósito da recente investida de excelentes comments no post “5 % ou menos?” queria dizer que, apesar da situação real e lamentável da música ser, em Portugal, a que aí se descreve, me lembrei, em auto-defesa, apenas desta (in)consolável (in)certeza:

“La vie sans musique n’est qu’une erreur, une besogne éreintante, un exil.”

Friedrich Nietzsche, lettre à Peter Gast, 15 janvier 1888
2 Comments:
At Quinta-feira, 12 Maio, 2005, Teresa said...
«Aprended a pensar: [...] - que el pensar ha de ser aprendido como ha de ser aprendido el bailar, como una especie de baile... [...] No se puede descontar, en efecto, de la educación aristocrática el bailar en todas sus formas, el saber bailar con los pies, con los conceptos, con las palabras; ¿he de decir que también hay que saber bailar con la pluma, que hay que aprender a escribir?» Crepúsculo de los ídolos (1889)

(Desculpem: mas não tenho a tradução portuguesa. Li a frase transcrita pelo Paulo e lembrei-me logo disto).

At Sexta-feira, 13 Maio, 2005, pb said...
A música, tal como a compreendemos hoje, é igualmente uma excitação e uma descarga conjunta dos afetos, mas, não obstante, apenas o que, sobrou de um mundo de expressão dos afetos muito mais pleno, um mero residuum do histrionismo dionisíaco. Para a viabilização da música enquanto arte específica, imobilizou-se uma certa quantidade de sentidos, antes de tudo o sentido muscular (no mínimo relativamente: pois em certo grau todo ritmo ainda fala a nossos músculos): de modo que o homem não imita e apresenta mais imediatamente com seu corpo tudo que sente. Apesar disso, é este o estado normal propriamente dionisíaco, em todo caso o estado originário; a música é a especificação lentamente alcançada deste estado, em detrimento das faculdades que lhe são mais intimamente aparentadas.
Crepúsculo de los ídolos (1889)
(gostei particularmente desta parte - encontrei neste site brasileiro)
http://www.odialetico.hpg.ig.com.br/filosofia/nietzsche.htm

a bd de pb (2)


Yslaire
3 Comments:
At Sexta-feira, 06 Maio, 2005, samovar said...
:)))))))
Então andava eu a tentar encobrir este acontecimento e tu descobriste-o?! Maldita net... já não se podem fazer surpresas nem guardar prendas à la longue!
É favor aguentar a curiosidade ou então fazer anos mais cedo! :)

At Sábado, 07 Maio, 2005, pb said...
Pois é...
já tinha visto há algum tempo! A saga “XXe ciel” vai continuar. Mas de qualquer forma estas coisas nunca vão sair em Portugal, por isso, a prenda de aniversário é sempre bem vinda! Hehe!

At Terça-feira, 10 Maio, 2005, Luís Aquino said...
Então, como é? Desde que este blog foi criado as pessoas desataram todas a fazer anos...?

Mau!... Já não há blogs como antigamente...

terça-feira, 3 de maio de 2005

de conhecimento obrigatório (7)

kindofblue.jpg
Miles Davis, Kind of Blue (1962)

Este post vai ao encontro do que é dito por César Viana (comment: 5% ou menos?), quando refere John Coltrane, confirmando que a erudição é um conceito muito vago e uma palavra a ter em fraca conta. Apresentem-se pois os músicos, pouco ou nada eruditos, tanto importa, três dos melhores de sempre estão lá, é mais do que certo!

Miles Davis, trompete
John Coltrane, sax tenor
Bill Evans, piano
Julian Adderley, sax alto
Paul Chambers, contrabaixo
James Cobb, bateria
Wyn Kelly, piano (só em Freddie Freeloader)

01 So What
02 Freddie Freeloader
03 Blue In Green
04 All Blues
05 Flamenco Sketches

(por não conhecer este disco, um(a) indivíduo(a), de uma cultura musical média, seja lá isso o que for, devia ter que sofrer um qualquer castigo ao longo de, vá lá, uns tempos, tipo peixe cozido durante duas semanas seguidas...)
7 Comments:
At Terça-feira, 03 Maio, 2005, pb said...
Não disse quem eram os tais 3!
Claro que são Miles Davis, John Coltrane e Bill Evans.
E já agora os outros 2 intérpretes, de Jazz, também de sempre, e dos antigos...
Ella Fitzgerald e Louis Armstrong!

At Quarta-feira, 04 Maio, 2005, César Viana said...
O Miles comentou numa entrevista que este disco era tanto dele como dos outros, mas a editora queria o nome dele na capa. Aliás, o papel do Bill Evans na concepção, arranjos, e até nas notas da contracapa é bem nítido e decisivo. Que disco! “Os milagres acontecem”, diz uma canção que anda por aí...


At Quinta-feira, 05 Maio, 2005, MrMystic said...
Miles was a great musician but he was a foofy husband


At Quinta-feira, 05 Maio, 2005, samovar said...
Eu adoro peixe cozido. Também conheço esse disco mas há mais de dez anos que não me apetece ouvi-lo.

O Sr. Paulo o que é que me prescreve??

At Quinta-feira, 05 Maio, 2005, pb said...
Não prescrevo nada!
O caso é tão grave que não tem solução...
:-P

At Sexta-feira, 06 Maio, 2005, César Viana said...
Para lá de ser inacreditável não ouvir este disco há 10 anos, haverá uma razão para o fazer agora; a edição original em LP e as primeiras em CD, devido a um problema de transcrição, estavam uma pouco mais agudas do que deveriam, aspecto que foi corrigido nas mais recentes edições em CD. (nomeadamente o cd Columbia CK 64935, que além disso traz um take alternativo do Flamenco Sketches com um solo fabuloso do Coltrane)


At Sexta-feira, 06 Maio, 2005, samovar said...
:)))))
Obrigada pela notícia, César Viana. Sorrio porque isso é aguçar a minha tendência musicopata que tem andando adormecida.

domingo, 1 de maio de 2005

de conhecimento obrigatório (6)

Musik für Streichinstrumente.jpg
György Kurtág, Musik für Streichinstrumente

The Keller Quartett

Aus der Ferne III für Streichquartett Officium breve in memoriam Andreae Szervánsky Ligatura - Message to Frances-Marie Quartetto per archi Hommage à Mihály András 12 Mikroludein für Streichquartett Ligatura - Message to Frances Marie

Recorded October and November 1995
2 Comments:
At Terça-feira, 03 Maio, 2005, Il Dissoluto Punito said...
Eu tb destacaria Le Grand Macabre, pela ousadia (E. P Salonen - SONY)...

At Terça-feira, 03 Maio, 2005, pb said...
Sim, também.
Eu tenho a versão da Wergo com
Michael Meschke e Michel de Ghelderode na adaptação...

Sobre György Ligeti

Pour moi, Ligeti est un des plus grands musicien du XXe siècle. Sans ordinateur et sans appareillage électronique sophistiqué, uniquement avec son instinct, son cerveau et sa sensibilité, il nous a donné certaines des ouvres les plus avancées de l’époque.

Olivier Messiaen
(Claude Samuel in, Permanences d’ Olivier
Messiaen - Dialogues et Commentaires)
5 Comments:
At Terça-feira, 03 Maio, 2005, César Viana said...
assinaria por baixo.


At Terça-feira, 03 Maio, 2005, pb said...
Eu assino de cruz!
Já há duas assinaturas!!!
:-)

At Quarta-feira, 08 Fevereiro, 2006, Sara said...
Concordo em absoluto!! ou nao fosse eu discipula do bloggista......

At Quarta-feira, 08 Fevereiro, 2006, pb said...
Olha a Sarita!
Claro, pois, pois...
Já soube que este ano vamos ter as vossas “Peças frescas” transmitidas na rádio!
Sim senhora, fico bastante orgulhoso, para não dizer babado...
Beijos para as 3 meninas e abraço para o menino aí na capital!

At Quarta-feira, 15 Fevereiro, 2006, sara said...
é verdade sim! finalmente vamos ter a nossa música a andar por aí pela rádio!
gostávamos de contar com a presença do mestre! acho que o osvaldo também
está a pensar vir cá ouvir!
se não pudermos contar com a sua excelentíssima presença pelo menos já
sabemos que temos um par de ouvidos ligados na rádio.....
faço a publicidade: dias 28 e 30 de Março a partir das 18h30 na Antena1
:)

Musique d’ameublement

Satie ne cède jamais à l’abondance, s’il y cède c’est par la longueur voulue pour ses pièces – comme la Musique d’ameublement écrite en 1920, constituée d’une suite de rengaines d’allure populaire, répétées sans fin –, mais non par la multiplicité des figures ou des thèmes employés. L'utilisation que Satie fait de la citation ou du mélange des genres s’affirme au-delà du jeu comme une force de rupture au sein de la forme, et surtout comme une possibilité de distanciation par rapport à la question de l’expression ou de la pureté d’un style.

Béatrice Ramaut-Chevassus
4 Comments:
At Segunda-feira, 02 Maio, 2005, Revolucionário pós-modernista said...
O Satie - que adoro, não que isso importe, mas fica dito - esteve muito bem no seu tempo. Basta ver o modo como Cocteau e o grupo dos 6 se “aproveitaram” da sua atitude estética...

Mas eu acho, e perdoem-me a arrogância, que o que precisamos não é de “Saties” que nos chamem à atenção para a necessidade de romper com a flatulência do romantismo artístico através da ironia da atitude estética...hoje em dia, precisavamos mesmo era de músicos/compositores que comunicassem... Se calhar de “Wagners” que tão odiados eram então...

At Quinta-feira, 05 Maio, 2005, samovar said...
E não existem? Então estamos tramados! Se não gosto de flatulências e me aborrece a atitude estética irónica, que hei-de ouvir?? Ou o chefe deste blog começa a “comunicar” ou só me restam os Sepultura!


At Sábado, 07 Maio, 2005, César Viana said...
Não se pode decidir por decreto que tipo de compositores temos. Podemos, sim, criar as condições para que um meio artístico sólido e profissional torne o seu trabalho coeso, regular, apreciado por um público conhecedor, mas isso dá muito trabalho. Vamos continuar a entregar o dinheirinho dos nossos impostos para subsídios, tem mais a ver com a nossa personalidade de brandos costumes...


At Sábado, 07 Maio, 2005, samovar said...
1 - Claro que sim. A boca foi só para picar o Paulo Bastos e porque achei piada à expressividade do “revolucionário”.
2 - Não vamos não... Não vislumbro uma revolução mas ainda acredito nos agentes da mudança!

5 % ou menos?

De acordo com as mais fidedignas estimativas, cerca de 95% da música erudita reproduzida em discos, tocada na rádio, executada em concertos, é música do passado. Nem a literatura, nem as artes visuais conhecem tal proporção. Os compositores vivos estão lutando por 5% ou menos do tempo total e dos meios de acesso acústico. É uma situação fantasticamente distorcida.

George Steiner, The Politics of Music, 1977
(tradução de Augusto de Campos)
17 Comments:
At Segunda-feira, 02 Maio, 2005, Revolucionário pós-modernista said...
E seria muito bom que os compositores pensassem nisso! Parabéns pelo post. Ainda por cima, essa situação não é nova... desde, pelo menos, o pós 2a guerra mundial que é assim... o fosso entre a arte dita erudita e o público cresce... Os “Boulez” deste mundo deviam pensar nisso... Ou será culpa da nossa amusicalidade, quer dizer, da falta de cultura musical, do ensino musical que não existe - para a grande maioria - deste nosso capitalismo selvagem onde os “media” controlam o que ouvir)...enfim.

At Terça-feira, 03 Maio, 2005, Luís Aquino said...
Não tenho a certeza (nem poderia ter) de que o facto de os compositores vivos terem acesso a 5% ou menos do mercado seja por estas razões. Quer dizer, estas poderão estar presentes, mas tenho dúvidas se são as principais.

A ideia que tenho é que a música clássica vive no extremo oposto da pop/rock:
enquanto que nesta,a apetência é mais para a novidade do que para os consagrados, na primeira é exactamente ao contrário. O que me leva a pensar que a música clássica, desde o aparecimento de outros estilos menos ‘formais’, sempre foi vista como algo demasiado sério e que se deve a todo custo evitar banalizar. A resistência à novidade na clássica,como forma precisamente de evitar o efeito ‘chiclet’ da pop/rock, terá caído no exagero e nas últimas décadas tornado quase uma instituição dar prioridade aos compositores com mais de 50 ou 100 anos. Claro que esses acabam por ser banalizados, porque o Beethoven, o Chopin ou o Mozart também têm os seus hits. Enfim, é um pouco especulativo, mas é uma ideia. Como mudar? É claro é preciso um esforço em várias frentes: compositores, professores de música (um papel importantíssimo para criar apetência junto de um público pré-sensibilizado, e como se sabe, a procura origina a oferta), meios de produção e meios de divulgação de massa.
Digamos que o post do PB é um bom princípio!

At Terça-feira, 03 Maio, 2005, César Viana said...
Atenção que o comentário do Steiner é de 77 e há diferenças assinaláveis em relação aos nossos dias, já em pleno século XXI. Uma talvez não de subestimar é o facto de a questão da erudição não ser assim tão evidente para mim. Onde está a erudição da 2345a versão de, por exemplo, o canon de Pachelbel, mal tocado e sem estilo, por uma qualquer orquestrazeca de ex-países socialistas? E quanto ao John Coltrane? É claro que isto distorce as referidas percentagens, já que há muito lixo descartável classificado como “erudito” e muitas obras primas por aí, perdidas num mar de música comercial, escapando assim à nossa “erudita” atenção. Quanto a culpas... claro quer não há culpas; a vida pura e simlesmente é, e a arte vai refletindo o que pode ou sabe. Mas é um bom assunto, sem dúvida, e é sempre estimulante discutir um texto do George Steiner.


At Quinta-feira, 05 Maio, 2005, samovar said...
O senhor Steiner opinava assim em 1977 em relação a que realidade? À mundial, à europeia, à do país dele? Gostava de saber.
De qualquer forma, o que me tocou nessa afirmação foi ela lembrar que nas outras artes a relação percentual é diferente. Acho até que invertida. E eu nunca tinha reparado nisso.
Concordando com o que diz César Viana aqui em cima, fico a matutar porque é que tal acontece na música dita erudita e não na literatura, na pintura, na escultura... e por aí fora.

At Sexta-feira, 06 Maio, 2005, César Viana said...
Caro sr. Samovar, em relação à escultura e pintura, penso que o facto de se poder comprar a obra de arte, devido à sua materialidade, ajuda a que a situação seja muito diferente, já que torna possível o chamado “investimento em arte”, independentemente de os bancos, companhias de seguros, etc. que compram as obras gostarem delas ou não. Acho que fará mais sentido contextualizar a música com outras artes do espectáculo do que com a literatura (já que esta não precisa de estruturas de produção tão complexas para chegar ao público). Aí, (dança, teatro...) a situação já não será tão flagrantemente diferente, mas não possuo dados objectivos que me permitam confirmá-lo.


At Sexta-feira, 06 Maio, 2005, samovar said...
Pois, César Viana, concordo consigo. Mas fiquei a pensar nos comentários do “revolucionário pós-modernista” aqui e no post do Satie. É que independentemente dos condicionalismos das obras musicais e do investimento na sua divulgação, há essa questão que não me parece nada de subestimar das atitudes estéticas dos compositores contemporâneos e do fosso em relação ao público.
O revolucionário sugeria a necessidade de novos “Wagners”... :))) Recusando a linha das “culpas” e não fazendo questão no rótulo das erudições, interrogo-me sobre a dimensão da relação compositor/público. Quanto à divulgação, o bailado, por exemplo, tem feito muito na divulgação da música contemporânea.

At Sábado, 07 Maio, 2005, César Viana said...
Mas a percentagem de dança contemporânea nos grandes palcos mundiais é absolutamente ínfima; com algumas (importantes) excepções, as produções que têm impacto significativo junto do grande público são as remakes dos grandes clássicos. Já experimentou ir ao “danças na cidade” ou outro festival do género e contar quantas pessoas lá estão? (repare que não há aqui qualquer juízo de valor, apenas a constatação de um facto). Além disso, a música contemporânea que, em geral, as produções coreográficas utilizam, é a que já tem uma maior aceitação junto do público (Reich, Glass,às vezes Berio ou Ligeti, na maior parte dos casos bandas sonoras com muito beat e pouca música). Muito raramente verá uma coreografia com música do Emanuel Nunes, Xenakis ou outros compositores igualmente afastados do grande público (Para já não falar do Peixinho, Stockhausen, etc); mesmo o jazz é utilizado muito, muito esporadicamente.
Pessoalmente, a única forma que conheço de respeito pelo público é fazer o melhor que sou capaz. Não simpatizo com a ideia de “simplificar” ou “tornar mais apelativo” ao povinho burro... Por respeito, vou o mais longe que conseguir, tendo por balizas os meus limites técnicos, as barreiras do meu talento, e o respeito pela minha verdade.

At Sábado, 07 Maio, 2005, samovar said...
E parabéns por fazê-lo assim! Isso é tudo (e é bastante) do que eu, como público, espero ouvir dos músicos. Fico-lhe reconhecida por ter respondido dessa forma à minha interrogação um pouco nebulosa. Não pretendo ser mais que uma ouvinte atenta e curiosa e as minhas interrogações aqui limitam-se a isso mesmo, para aprender convosco. Acho que ficou mais claro, para mim, que a questão mais importante - nestas percentagens em desfavor da adesão do público às manifestações culturais contemporâneas que assinalou - tem a ver com a formação do gosto por um lado e as políticas de investimento na divulgação por outro. São esses os temas quentes que os portugueses têm pela frente para debater, fazer e mudar. Quanto às escolhas dos “grandes” palcos mundiais, e do “grande” público não sei, não. Parece-me que o que interessa não é que seja “grande” mas que exista! Que as oportunidades de criadores e público disponível se realizem. Só lhe posso dar o meu feedback de quem está fora de Portugal há sete anos e se tem misturado, na Europa, com os mais variados públicos, nomeadamente de música e dança. O que eu constato é que a oferta é sempre maior que a minha procura (e eu procuro bastante). Que tudo mexe, dos grandes palcos aos grupos independentes, às produções caseiras ou underground. E claro, o público existe e bem diversificado. Sinto-me sempre uma sortuda por ter tantas oportunidades e lá penso nos amigos que deixei aí e que mereciam estar a tê-las também, (como o autor deste blog, eheh).
Por isso, aqui deixo os meus parabéns aos vossos “diários interactivos” e desejo-vos garra para navegar contra a maré dos “brandos costumes”. Que não quero continuar a pagar impostos pra subsídios... ;) P.S. Quanto ao Peixinho, ao Stockhausen... e ao afastamento do público... uiiii... isso dava um comment novo e muito longo :) Fica para outra altura, se se proporcionar :)

At Sábado, 07 Maio, 2005, sasfa said...
Não sei a que realidade se referia George Steiner, mas acho que essa questão nem sequer se põe no nosso país - aqui os compositores, vivos ou mortos, lutam ainda contra o I-V-I do Emanuel ( não Nunes) e seus compinchas!!! Antes de tudo, seria preciso que o público se alfabetizasse, musicalmente falando, mas penso que estamos a caminhar no sentido contrário, pois cada vez mais, em escolas do ensino especializado da música se tocam musicais da Broadway, ou temas dos Beatles e até da Dulce Pontes... Não me parece que o futuro público vá estar preparado nem para Mozart, quanto mais para Emanuel Nunes...

At Domingo, 08 Maio, 2005, pb said...
ouve-se mais “palminhas” do que “musiquinha”, mais musicais do que música a sério! - Foi a minha resposta a propósito do nível das audições infantis nas escolas de ensino especializado da música (EEM).
Porque é bom não esquecer que é nas apresentações musicais dos mais pequenos que se vê a desorientação (musical e pedagógica) de muitos professores do EEM, sendo que estes e os pequenos alunos representam o presente e o futuro do EEM em Portugal.
Assim não vamos lá!!!
Era necessário um 25 de Abril na música.

At Domingo, 08 Maio, 2005, sasfa said...
Nem tanto, bastava fechar algumas comportas de onde todos os anos brotam hordas de “músicos”!!!

At Quinta-feira, 12 Maio, 2005, Teresa said...
Algumas notas soltas e pouco correctas:
Os próprios músicos contribuíram para a criação de um cânone que, em grande parte, acabou sendo transformado no repertório. Falo do século XIX, claro, mas há coisas que se compreendem melhor olhando para as origens. O cânone, a invenção de uma tradição da música erudita (com Schumann a liderar) foi uma maneira de legitimar a própria composição, a própria música no “concerto das artes”.
Quando se fala de “música artística”, a situação era similar nas últimas décadas do século XIX, nos anos 10-20 (lembro-me das memórias do Gieseking, de quem se falou há pouco no Ópera e demais interesses, e das dificultades que encontrou quando tentou incluir música contemporânea nos seus concertos depois da Primeira Guerra Mundial), nos anos 50... Seria interessante verificar se há alguma recorrência nisto que possa ser cruzada com as linguagens. E, ainda, isto acontece sempre que o compositor não se empenha na divulgação das suas próprias obras (comparem-se, como exemplo, os casos de Franck e de Brahms, vejam os casos de Mahler e de Strausss, ou de Britten, com o seu festival...). Outro caso interessante é o de Massenet, cujo impacto foi enorme em grande parte devido ao seu particular charme com as damas... Bom, e, também, quando a composição deixa de ser um veículo para o nacionalismo ou para a representação de qualquer outro tipo de poder. Vejam o caso, bem sucedido, de Stravinsky, que foi capaz de inventar também a sua “pertinência” em termos sociais.
Isto merecia um post inteiro, ou mehor, vários artigos, porque há outros muitos factores a ter em conta: a “geografia cultural” - a que já se fez referência -, a história, o estatuto da própria música erudita, o papel dos intérpretes como mediadores, quais são as diferenças conforme os géneros ou formatos instrumentais...
Para já não falar da responsabilidade que os próprios compositores têm de procurar o seu lugar sob o sol.
Finalmente (sem termos agora a preocupação de verificar a veracidade da percentagem nos nossos dias), para forçar o pensamento, deveriamos tentar descobrir primeiro nas razões pelas quais a situação deveria ser a inversa. A quem beneficiaria? (e não me parece aceitável usar como argumento o bem da humanidade ou variantes deste).
De facto, começa a estar bastante generalizada, entre os compositores e os apreciadores da música contemporânea, a ideia de que fazem parte de uma subcultura e de que isso não é problema nenhum. Inclusive, pelos vistos, em termos de mercado esses “nichos”, no século XXI, estão a ganhar uma importância crescente.
Prossigamos...

At Quinta-feira, 12 Maio, 2005, Teresa said...
Só mais uma coisita, relativa aos coreógrafo/as e bailarino/as: César, tu conheces bem o meio, sabes se há muitos que saibam ler uma partitura ou que distingam as execuções gravadas da mesma obra entre si? Tenho a suspeita (e aceito que possa estar a ser muito injusta: digamos que é uma pergunta em forma de palpite) de que, uma quantidade significativa de vezes, nos espectáculos de dança, a música é usada mais como fundo do que como elemento integrado no espectáculo.
Façamos mais percentagens...

At Quinta-feira, 12 Maio, 2005, César Viana said...
Na maior parte dos espectáculos de dança (com algumas, apesar de tudo bastantes, excepções)a música tem uma ou as duas de duas funções: ou é um relógio obcessivo que martela os tempos implacavelmente para que os bailarinos saibam a coreografia, ou é um cenário sonoro, surgindo então a música “de ambientes”. Quanto a saber ler uma partitura, depende dos países; em Portugal até vão sabendo, mas não me parece, infelizmente, que esse seja um factor decisivo. Já fizeste algum inquérito para saber que música os membros da generalidade das orquestras ouvem maioritariamente? Sabes qual a altura do ano em que a maior parte dos músicos da Gulbenkian metiam baixa? Durante os Encontros de Música Contemporânea, que “fecharam” entretanto. Penso que nos habituámos ao longo da história da música a uma situação em que a arte era disfrutada por uma elite infimamente minoritária. Com a progressiva democratização seria inevitável algum tipo de divórcio com a generalidade do público, que não dominará os códigos, mas provavelmente nem estará interessado em dominá-los; e porque haveria de o fazer? E essa democratização ainda só chegou ao 1o mundo, imaginem quando chegar (se chegar...) aos 2o e 3o...

Por outro lado, esta mesma democratização fez surgir nas culturas ditas “populares” nichos de excelência verdadeiramente incontornáveis, mas vamos tendendo para catalogar entre “clássico/não clássico”, Jazz/não Jazz, Pop/não pop e isso, evidentemente, contribui para uma progressiva “ghettização” de expressões minoritárias, o que poderia não ser um problema, mas que se passará quando economicamente não for já viável manter as grandes orquestras e companhias de ópera? Não considero de todo como um dado adquirido que as gerações dos meus filhos e netos possam continuar a ouvir Beethoven ou Bartok sem ser em suporte digital. Dificilmente nichos insignificantes numericamente poderão por muito tempo continuar a justificar organismos pesados e altamente deficitários como são as companhias de ópera e orquestras, suportadas pelo dinheiro dos impostos de todos, sendo que a meioria se está borrifando para o assunto. Não estou a criticar; estou a constatar um facto que nos deveria alarmar e fazer reflectir.

At Segunda-feira, 16 Maio, 2005, t. said...
Este debate, ao qual já cheguei tarde, é interessantíssimo.
Vocês já disseram tudo, mas vou só acrescentar umas coisitas:
A música...aquela que é por excelência a arte mais abstracta - anda a ser enxovalhada Toda a gente ouve música. Toda a gente opina sobre música, mas que tipo de “discursos” estão as pessoas habituadas a ouvir e a opinar sobre? Estarão as pessoas “treinadas” para ouvir música erudita? Música improvisada?
Não estão.
Não sabem ouvir, acham uma seca.
De todas as pessoas com quem me cruzo no meio das artes, são os músicos e os cantores aqueles que melhor entendem de que é que nós estamos aqui a falar, mesmo no meio do teatro e no da dança nem actores nem bailarinos OUVEM realmente a música enquanto discurso mental. ( Há excepções, claro mas por o serem, fogem à regra)
Eu estudei música muitos anos, tive a sorte inclusivé de ter o Fernando Lopes Graça como professor, o meu pai era um amante de ópera e ouvia-se muita música clássica lá em casa, tive sorte, tive muita sorte. Mas agora, hoje, nas escolas, o ensino da música é muito infeliz. O meu filho mais pequeno( 4 anos) quando chega às aulas de manhã, tem sempre música na sala de aula - o Batatoon - no outro dia perguntei à professora se não seria mais agradável estarem a ouvir Mozart ( desculpem mas eu acho-o muito divertido e “infantil”) respondeu-me que os miúdos não iriam gostar. O mais velho ( 11 anos )está no Conservatório de dança de lisboa e num ano lectivo, aprendeu a tocar e a cantar vários hit’s da Broadway e agora dos Beatles ( um castigo para mim porque nunca gostei dos beatles) As orquestras, andam a acabar com elas.
Os apoios para a música são escassos.
( No IPAE os subsídios de apoio à música são bastante reduzidos e normalmente são vinculados para Festivais)
Haveria que reeducar as pessoas.
Espalhar novamente a ideia da Arte como prazer sublime da alma.
Mas quê?
Emanuel Nunes????
Quem sabe quem é?
Mas o Castelo Branco toda a gente conhece.
É triste. Mas estamos a viver num país Triste.
Ou não?
Ah.. a título de curiosidade digo-vos que no Teatro, se usa muito a música como “música de fundo” ( como eu detesto esta definição) e nunca como voz activa na narrativa, resultado: nunca se percebe o porquê da sua escolha. São raros os encenadores que têm cultura musical.
o que me dói dizer isto-
Um abraço
Belo blogue.

At Segunda-feira, 16 Maio, 2005, pb said...
Olá T.!
Nunca é de mais um comentário porque afinal este assunto nem sequer tem uma resolução à vista. São questões de fundo que ultrapassam os limites dos nichos culturarais portugueses. É, em Portugal, e antes de qualquer outra coisa, a fundamental e pouco visível educação, e só depois a cultura. Obrigado pelo elogio ao blogue.

At Terça-feira, 17 Maio, 2005, sasfa said...
Concordo 100% com T. Não se podem construir as casas pelo telhado... O problema, não só na música, mas em tudo, é a falta de educação... Os nossos alunos, os professores, os pais e as direcções das escolas não querem profundidade, rigôr, nem sequer honestidade, querem superficialidade, resultados rápidos e bem maquilhados, um sucesso bacoco para inglês ver! A discussão das “quotas” da música contemporânea não fará muito sentido neste contexto!!

de conhecimento obrigatório (5)

wakajawaka.gif
Frank Zappa, Waka/Jawaka
Julho de 1972
4 Comments:
At Terça-feira, 03 Maio, 2005, Luís aquino said...
Por que é nunca se fica indiferente às capas dos discos do Zappa? Outra coisa: só ainda vi duas citações, mas parece que foi boa ideia a de colocar o Citador aqui no blog.

At Terça-feira, 03 Maio, 2005, pb said...
Confesso, na verdade “roubei” a ideia do Citador do um blogue que leio assiduamente - “Decompor”.


At Terça-feira, 03 Maio, 2005, luís aquino said...
“Roubar” boas ideias não é pecado. Pecado é não as saber usar.
(Epa! será que o Citador aceitava esta frase?...)

At Terça-feira, 03 Maio, 2005, pb said...
Claro que aceita!
Vai lá e propõe!
Ena...