Por mais do que uma vez já reconheci que este assunto me faz mal...
No entanto acho que mais algumas palavras (para além das tiradas irónicas) podem ser escritas no já longo processo que é este da degradação do Ensino Especializado da Música. E porque ele ainda há quem realmente se vá mexendo e preocupando com estes assuntos:
Ideias Soltas,
Artimanha,
Diário de Bordo,
Ali_se,
Movarte,
Para lá das paredes entre outros...
Mais do que algumas das questões abordadas no tal Relatório, Ensino Integrado, o fim do regime Supletivo, as “crenças” do modelo aula individual e o estudo desde tenra idade, mais do que tudo isso, a questão que mais me revolta é que não há outro motivo sério para este ataque que não seja o de uma perspectiva fundada em critérios exclusivamente economicista. Há que poupar! E há áreas mais adequadas (frágeis) do que outras, o caso do Ensino Público, Genérico e Especializado, pois claro. No Ensino Genérico, depois dos vários ataques a que os professores foram sujeitos (Estatuto da Carreira Docente, por ex.), já tudo anda entretido a discutir quem vais ser ou não titular, quem leva mais papeis debaixo do braço, quem apresenta um ar mais ou menos ocupado, enfim, tudo menos aquilo a que os alunos têm direito, ou seja, a professores reivindicativos, competentes cientificamente (antes das abordagens pedagógico-didácticas), em suma, a um ensino público de qualidade. Sinto-me muitas vezes envergonhado de pertencer a uma classe assim, a dos professores! Tanto barulho em dois dias de greve e depois pouco ou nada mais aconteceu, tudo enfia a viola no saco e deixa ver o que vem a seguir...
No Ensino Especializado a coisa é mais circunscrita mas nem por isso menos grave! Senão vejamos, a degradação deste tipo de ensino não começa com este relatório, é que nem por sombras! Este processo kafkiano contra o ensino (caro) especializado já tem alguns anos e já
aqui foi referido inúmeras vezes. Aliás este Relatório surge na altura certa, em cima de uma classe de professores desorientada há já muito tempo, cansada e muitas vezes sem motivação, para não falar do vínculo precário que prende esta gente às escolas. Assim é fácil dar a machadada final neste tipo de Ensino!
Mas voltando ao Relatório, se este fosse sério, que não me parece, muitas das questões lá abordadas revestiam-se da maior importância – o Ensino Integrado, por exemplo, como um modelo a seguir, mas fundamentado e construído em pilares bem assentes, sem cortes no número de disciplinas e tempos lectivos, mantendo ou melhorando a qualidade das mesmas, nomeadamente aquelas que só podem ser individuais por não haver outra forma. Se assim fosse, muito bem, mas aquilo que se prepara não é definitivamente isto, mas sim um desmembramento gradual (ou não) da realidade musical que tem caracterizado a maior parte dos estabelecimentos de Ensino Especializado da Música deste país. O que não é democrático é a anulação, ou pretensão a, dos outros sistemas de frequência destas escolas, o regime Supletivo e Articulado. A coexistência dos três tipos de frequência só traz vantagens pela diversidade de realidades e ambições que assim se vive dentro das escolas. Mas do que estamos a falar, em cinco das escolas públicas de ensino especializado – Porto, Aveiro, Coimbra, Conservatório Nacional e Instituto Gregoriano –, é da imposição de um regime Integrado (em exclusividade) em escolas que pouco ou nada sabem sobre esse sistema de frequência. Nunca tiveram qualquer outra experiência que não fosse a de formar alunos em regime supletivo e articulado (mais recente) e os resultados, apesar de muitos problemas, estão à vista! Acho que não é preciso dizer que a maior parte dos músicos deste país formados nestes estabelecimentos frequentaram as suas aulas em regime supletivo. Volto a repetir que nada tenho contra o regime Integrado como modelo a seguir – até porque trabalho no único estabelecimento do país de Ensino Público com regime Integrado (mas não em exclusividade) – mas a aplicação deste terá que convergir em remodelações internas das escolas, a todos os níveis, terá que contar com a participação activa dos profissionais da área (que não podem olhar tanto para seu umbigo) e, acima de tudo, esta ambição de mudança de um sector que precisa de ser mexido, não pode ser fruto de uma encomenda cara (essa sim, foi cara com certeza!) a uma equipa de pretensos “especialistas”, porque afinal de contas fomos nós todos que pagámos este enfadonho e malévolo relatório.