De que se fala quando falamos de música para crianças e
jovens?
Penso que
quando nos referimos a música para crianças ou jovens se fala necessariamente
de música de alta qualidade. As crianças absorvem tudo o se lhes dá e, por isso
mesmo, é nestas faixas etárias que se deve investir na mais alta qualidade
estético-musical. As crianças e os jovens não estão formatados para gostar de um
certo tipo ou estilo de música, nem reagem à música com nenhum tipo de
preconceito, e, como tal, acabam por conseguir, com relativa facilidade, ouvir
música com algum grau de complexidade ou executar obras destinadas às suas
características física e psicológicas sem problemas.
Porque é que um compositor escreve música para estas
faixas etárias?
Um
compositor escreve para estas faixas etárias antes de mais porque gosta, assim penso
eu, que escrevo com bastante frequência música para a infância. Aqueles que não
o fazem têm possivelmente um dos seguintes motivos: ou não escrevem música
infantil porque não apreciam o subgénero, ou, simplesmente, porque não o
conseguem fazer. Zoltan Kodally afirmava que ninguém deveria considerar-se demasiado
importante para escrever para crianças, e que, pelo contrário, deveríamos
tentar tornar-nos suficientemente bons para o fazer. Esta frase diz bastante do
que é colocar um compositor a escrever para um universo musical sem limites, de
histórias de encantar e desencantar, de sonhos bons e maus, de surpresas
permanentes, etc.
Quais as principais questões de natureza técnica,
artística/estética (ou outras) a que se pretende dar resposta?
Quando se escreve obras
musicais com vista à execução por crianças é necessário colocar em equilíbrio
dois aspectos fundamentais, por um lado alguma elementaridade técnica,
obviamente ajustada à idade e desenvolvimento musical da criança ou jovem, por
outro lado, um rigor estético sem qualquer margem de manobra ao facilitismo e à
banalidade do dejá vu. Temos ainda
uma situação complementar a esta que são as obras que directa ou indirectamente
versam o mundo infantil sem, no entanto, serem música para crianças
interpretarem. Evidentemente continuamos a falar de música para a infância, não
na perspectiva de executantes, mas sim, na de ouvinte. Basta lembramo-nos do
conto musical “Pedro e Lobo” de Sergei Prokofiev para percebermos ao que me
refiro. É música para crianças, mas não é para estas a tocarem, serve
essencialmente o propósito o usufruto de quem a recebe. Seja qual for o papel a
que o compositor é sujeito, a de escrever música para crianças tocarem ou para
as crianças receberem, de uma coisa estou certo: no sentido, puro e simples, do
estético e do “belo musical” o compositor não deve ter limites quando se dedica
à música para a infância uma vez que para estas tudo pode ser válido e bom
musicalmente. Para uma criança é igualmente interessante ouvir uma guitarra
acústica a tocar uns acordes, um cluster
num piano, um glissando numa harpa, o
sussurrar de um coro, um rufar de tambor, e/ou, em alternativa, sobreposição ou
alternância, uma ressonância amplificada de uma porta a bater com força, um som
sintético, o barulho de um motor de um barco ou o som de uma corneta de
plástico. A responsabilidade de fazer com que esta parafernália de
“instrumentos musicais” se tornem música para a infância é sempre, em última
análise, do compositor adulto, organizador da matéria e discurso sonoro, que,
da melhor forma, tenta entrar no universo e imaginário ilimitado do ouvir dos
mais pequenos. As crianças só são mais pequenas do que os adultos, não têm, por
serem crianças, um gosto diminuto quando comparado com os adultos. Até pelo
contrário...
Paulo Bastos
APEMNEWS JUN JULH 2013
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