domingo, 24 de abril de 2005

Alfred Brendel na CdM

Sábado, 23 Abril de 2005
Alfred Brendel

1a Parte:
W. A. Mozart
Nove Variações sobre um minuete de J. P. Dupont em Ré K573
Robert Schumann
Kreisleriana Op.16

2a Parte:
Franz Schubert
Momentos Musicais D780
L. van Beethoven
Sonata para Piano No.15 em Ré, “Pastoral”

Alfred Brendel apresentou-se no Porto num concerto que, no género, talvez possa ser classificado como o mais importante da fase inaugural da Casa da Música, a interpretar o que mais o caracteriza, o repertório dos Clássicos de Viena. Começar um concerto por umas variações de Mozart, pouco conhecidas do grande público é, desde logo, algo a que só um pianista da craveira de Brendel é permitido. É que, quanto mais não seja pelo risco que estas peças apresentam na sua simplicidade e debilidade quase infantil, é uma obra que aparentemente cria pouco impacto para um início de um concerto. Mas não! Foi, desde o primeiro ao último momento em que o pianista colocou as mãos no teclado, muito especial fazendo-nos acreditar que se ouvia o repertório habitué dos concertos.
Na Kreisleriana Op.16 de Robert Schumann, Brendel surpreendeu também, mas pela unidade dada ao desenrolar de todo o discurso musical. Em muitas versões que ouvi desta obra nunca tinha sentido um fio condutor de tal perfeição e linearidade. Como se sabe a Kreisleriana, e outras obras de carácter cíclico de Schumann, perdem em algumas interpretações de concerto pelo facto de ouvirmos, separadamente, momentos excelentes em alguns quadros, mas na totalidade da obra nos escapar a direcção global da música. Nos Momentos Musicais D780 de Schubert o pianista levou a plateia, por um fio muito ténue, a um estado de emoção contida. Tudo foi realizado no limiar da perfeição: fraseado, sonoridade geral, controle das dinâmicas, respiração e pulsação rítmica.
O concerto não ficaria completo sem a sublime interpretação que Brendel deu à Sonata em Ré, “Pastoral” nesta noite. Não é, com certeza, por esta ser a minha sonata preferida de Beethoven, que vou afirmar que o que se ouviu foi magistral. Esta sonata, que já foge à herança mozartiana, mas que ainda não se apresenta no patamar final das últimas e mais complexas de Beethoven, representou o momento de maior concentração de emoções na sala 1 da CdM, em que Alfred Brendel fez aparecer todo o espectro dinâmico, dos pianíssimos aos fortíssimos. Além disso, a forma como nos fez ouvir ligados os segundo, terceiro e quarto andamentos foi brilhante, como se estivéssemos a ouvir contar uma história, com poucas interrupções, a alguém que conhecia todos os seus pequenos pormenores, contando-os sempre com mais interesse e entusiasmo. Só um grande “amigo de Beethoven” podia contar com tal clareza, veracidade e cumplicidade esta história chamada “Pastoral”. Foi o que aconteceu.
Um grande concerto!
7 Comments:
At Domingo, 24 Abril, 2005, aniversariante said...
Texto digno de um verdadeiro crítico musical!
E assim se perdem os verdadeiros talentos na blogosfera...

At Domingo, 24 Abril, 2005, Luís Aquino said...
Concordo! Nem demasiado técnico, portanto acessível a qualquer não especialista, nem superficial (apreciações suficientemente justificadas), e capaz de sugerir ao leitor o ambiente criado na sala. Temos crítico! (Já agora... quem é que faz anos? E paga alguma coisa...?)


At Domingo, 24 Abril, 2005, Oficial e comentadeiro said...
Sim, até pode ser isso tudo que vocês dizem, crítica bonita e tudo, mas por outro lado, é uma tristeza profunda isto ter corrido tão bem; quer dizer, o cenário dos títulos de jornal sai defraudado... Pronto,fica para próxima!


At Domingo, 24 Abril, 2005, aniversariante said...
Quando for a Portugal nas férias, prometo pagar qualquer coisa em grande ao profissionalíssimo comentador deste blog!

(Mas tb gostava de uma cura qualquer de acupuntura ;)

At Segunda-feira, 25 Abril, 2005, oficial e comentadeiro said...
Ok. Combinado, aniversariante.

At Segunda-feira, 25 Abril, 2005, Patrícia said...
“Além disso, a forma como nos fez ouvir ligados os segundo, terceiro e quarto andamentos foi brilhante, como se estivéssemos a ouvir contar uma história, com poucas interrupções, a alguém que conhecia todos os seus pequenos pormenores, contando-os sempre com mais interesse e entusiasmo.”

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