domingo, 1 de maio de 2005

5 % ou menos?

De acordo com as mais fidedignas estimativas, cerca de 95% da música erudita reproduzida em discos, tocada na rádio, executada em concertos, é música do passado. Nem a literatura, nem as artes visuais conhecem tal proporção. Os compositores vivos estão lutando por 5% ou menos do tempo total e dos meios de acesso acústico. É uma situação fantasticamente distorcida.

George Steiner, The Politics of Music, 1977
(tradução de Augusto de Campos)
17 Comments:
At Segunda-feira, 02 Maio, 2005, Revolucionário pós-modernista said...
E seria muito bom que os compositores pensassem nisso! Parabéns pelo post. Ainda por cima, essa situação não é nova... desde, pelo menos, o pós 2a guerra mundial que é assim... o fosso entre a arte dita erudita e o público cresce... Os “Boulez” deste mundo deviam pensar nisso... Ou será culpa da nossa amusicalidade, quer dizer, da falta de cultura musical, do ensino musical que não existe - para a grande maioria - deste nosso capitalismo selvagem onde os “media” controlam o que ouvir)...enfim.

At Terça-feira, 03 Maio, 2005, Luís Aquino said...
Não tenho a certeza (nem poderia ter) de que o facto de os compositores vivos terem acesso a 5% ou menos do mercado seja por estas razões. Quer dizer, estas poderão estar presentes, mas tenho dúvidas se são as principais.

A ideia que tenho é que a música clássica vive no extremo oposto da pop/rock:
enquanto que nesta,a apetência é mais para a novidade do que para os consagrados, na primeira é exactamente ao contrário. O que me leva a pensar que a música clássica, desde o aparecimento de outros estilos menos ‘formais’, sempre foi vista como algo demasiado sério e que se deve a todo custo evitar banalizar. A resistência à novidade na clássica,como forma precisamente de evitar o efeito ‘chiclet’ da pop/rock, terá caído no exagero e nas últimas décadas tornado quase uma instituição dar prioridade aos compositores com mais de 50 ou 100 anos. Claro que esses acabam por ser banalizados, porque o Beethoven, o Chopin ou o Mozart também têm os seus hits. Enfim, é um pouco especulativo, mas é uma ideia. Como mudar? É claro é preciso um esforço em várias frentes: compositores, professores de música (um papel importantíssimo para criar apetência junto de um público pré-sensibilizado, e como se sabe, a procura origina a oferta), meios de produção e meios de divulgação de massa.
Digamos que o post do PB é um bom princípio!

At Terça-feira, 03 Maio, 2005, César Viana said...
Atenção que o comentário do Steiner é de 77 e há diferenças assinaláveis em relação aos nossos dias, já em pleno século XXI. Uma talvez não de subestimar é o facto de a questão da erudição não ser assim tão evidente para mim. Onde está a erudição da 2345a versão de, por exemplo, o canon de Pachelbel, mal tocado e sem estilo, por uma qualquer orquestrazeca de ex-países socialistas? E quanto ao John Coltrane? É claro que isto distorce as referidas percentagens, já que há muito lixo descartável classificado como “erudito” e muitas obras primas por aí, perdidas num mar de música comercial, escapando assim à nossa “erudita” atenção. Quanto a culpas... claro quer não há culpas; a vida pura e simlesmente é, e a arte vai refletindo o que pode ou sabe. Mas é um bom assunto, sem dúvida, e é sempre estimulante discutir um texto do George Steiner.


At Quinta-feira, 05 Maio, 2005, samovar said...
O senhor Steiner opinava assim em 1977 em relação a que realidade? À mundial, à europeia, à do país dele? Gostava de saber.
De qualquer forma, o que me tocou nessa afirmação foi ela lembrar que nas outras artes a relação percentual é diferente. Acho até que invertida. E eu nunca tinha reparado nisso.
Concordando com o que diz César Viana aqui em cima, fico a matutar porque é que tal acontece na música dita erudita e não na literatura, na pintura, na escultura... e por aí fora.

At Sexta-feira, 06 Maio, 2005, César Viana said...
Caro sr. Samovar, em relação à escultura e pintura, penso que o facto de se poder comprar a obra de arte, devido à sua materialidade, ajuda a que a situação seja muito diferente, já que torna possível o chamado “investimento em arte”, independentemente de os bancos, companhias de seguros, etc. que compram as obras gostarem delas ou não. Acho que fará mais sentido contextualizar a música com outras artes do espectáculo do que com a literatura (já que esta não precisa de estruturas de produção tão complexas para chegar ao público). Aí, (dança, teatro...) a situação já não será tão flagrantemente diferente, mas não possuo dados objectivos que me permitam confirmá-lo.


At Sexta-feira, 06 Maio, 2005, samovar said...
Pois, César Viana, concordo consigo. Mas fiquei a pensar nos comentários do “revolucionário pós-modernista” aqui e no post do Satie. É que independentemente dos condicionalismos das obras musicais e do investimento na sua divulgação, há essa questão que não me parece nada de subestimar das atitudes estéticas dos compositores contemporâneos e do fosso em relação ao público.
O revolucionário sugeria a necessidade de novos “Wagners”... :))) Recusando a linha das “culpas” e não fazendo questão no rótulo das erudições, interrogo-me sobre a dimensão da relação compositor/público. Quanto à divulgação, o bailado, por exemplo, tem feito muito na divulgação da música contemporânea.

At Sábado, 07 Maio, 2005, César Viana said...
Mas a percentagem de dança contemporânea nos grandes palcos mundiais é absolutamente ínfima; com algumas (importantes) excepções, as produções que têm impacto significativo junto do grande público são as remakes dos grandes clássicos. Já experimentou ir ao “danças na cidade” ou outro festival do género e contar quantas pessoas lá estão? (repare que não há aqui qualquer juízo de valor, apenas a constatação de um facto). Além disso, a música contemporânea que, em geral, as produções coreográficas utilizam, é a que já tem uma maior aceitação junto do público (Reich, Glass,às vezes Berio ou Ligeti, na maior parte dos casos bandas sonoras com muito beat e pouca música). Muito raramente verá uma coreografia com música do Emanuel Nunes, Xenakis ou outros compositores igualmente afastados do grande público (Para já não falar do Peixinho, Stockhausen, etc); mesmo o jazz é utilizado muito, muito esporadicamente.
Pessoalmente, a única forma que conheço de respeito pelo público é fazer o melhor que sou capaz. Não simpatizo com a ideia de “simplificar” ou “tornar mais apelativo” ao povinho burro... Por respeito, vou o mais longe que conseguir, tendo por balizas os meus limites técnicos, as barreiras do meu talento, e o respeito pela minha verdade.

At Sábado, 07 Maio, 2005, samovar said...
E parabéns por fazê-lo assim! Isso é tudo (e é bastante) do que eu, como público, espero ouvir dos músicos. Fico-lhe reconhecida por ter respondido dessa forma à minha interrogação um pouco nebulosa. Não pretendo ser mais que uma ouvinte atenta e curiosa e as minhas interrogações aqui limitam-se a isso mesmo, para aprender convosco. Acho que ficou mais claro, para mim, que a questão mais importante - nestas percentagens em desfavor da adesão do público às manifestações culturais contemporâneas que assinalou - tem a ver com a formação do gosto por um lado e as políticas de investimento na divulgação por outro. São esses os temas quentes que os portugueses têm pela frente para debater, fazer e mudar. Quanto às escolhas dos “grandes” palcos mundiais, e do “grande” público não sei, não. Parece-me que o que interessa não é que seja “grande” mas que exista! Que as oportunidades de criadores e público disponível se realizem. Só lhe posso dar o meu feedback de quem está fora de Portugal há sete anos e se tem misturado, na Europa, com os mais variados públicos, nomeadamente de música e dança. O que eu constato é que a oferta é sempre maior que a minha procura (e eu procuro bastante). Que tudo mexe, dos grandes palcos aos grupos independentes, às produções caseiras ou underground. E claro, o público existe e bem diversificado. Sinto-me sempre uma sortuda por ter tantas oportunidades e lá penso nos amigos que deixei aí e que mereciam estar a tê-las também, (como o autor deste blog, eheh).
Por isso, aqui deixo os meus parabéns aos vossos “diários interactivos” e desejo-vos garra para navegar contra a maré dos “brandos costumes”. Que não quero continuar a pagar impostos pra subsídios... ;) P.S. Quanto ao Peixinho, ao Stockhausen... e ao afastamento do público... uiiii... isso dava um comment novo e muito longo :) Fica para outra altura, se se proporcionar :)

At Sábado, 07 Maio, 2005, sasfa said...
Não sei a que realidade se referia George Steiner, mas acho que essa questão nem sequer se põe no nosso país - aqui os compositores, vivos ou mortos, lutam ainda contra o I-V-I do Emanuel ( não Nunes) e seus compinchas!!! Antes de tudo, seria preciso que o público se alfabetizasse, musicalmente falando, mas penso que estamos a caminhar no sentido contrário, pois cada vez mais, em escolas do ensino especializado da música se tocam musicais da Broadway, ou temas dos Beatles e até da Dulce Pontes... Não me parece que o futuro público vá estar preparado nem para Mozart, quanto mais para Emanuel Nunes...

At Domingo, 08 Maio, 2005, pb said...
ouve-se mais “palminhas” do que “musiquinha”, mais musicais do que música a sério! - Foi a minha resposta a propósito do nível das audições infantis nas escolas de ensino especializado da música (EEM).
Porque é bom não esquecer que é nas apresentações musicais dos mais pequenos que se vê a desorientação (musical e pedagógica) de muitos professores do EEM, sendo que estes e os pequenos alunos representam o presente e o futuro do EEM em Portugal.
Assim não vamos lá!!!
Era necessário um 25 de Abril na música.

At Domingo, 08 Maio, 2005, sasfa said...
Nem tanto, bastava fechar algumas comportas de onde todos os anos brotam hordas de “músicos”!!!

At Quinta-feira, 12 Maio, 2005, Teresa said...
Algumas notas soltas e pouco correctas:
Os próprios músicos contribuíram para a criação de um cânone que, em grande parte, acabou sendo transformado no repertório. Falo do século XIX, claro, mas há coisas que se compreendem melhor olhando para as origens. O cânone, a invenção de uma tradição da música erudita (com Schumann a liderar) foi uma maneira de legitimar a própria composição, a própria música no “concerto das artes”.
Quando se fala de “música artística”, a situação era similar nas últimas décadas do século XIX, nos anos 10-20 (lembro-me das memórias do Gieseking, de quem se falou há pouco no Ópera e demais interesses, e das dificultades que encontrou quando tentou incluir música contemporânea nos seus concertos depois da Primeira Guerra Mundial), nos anos 50... Seria interessante verificar se há alguma recorrência nisto que possa ser cruzada com as linguagens. E, ainda, isto acontece sempre que o compositor não se empenha na divulgação das suas próprias obras (comparem-se, como exemplo, os casos de Franck e de Brahms, vejam os casos de Mahler e de Strausss, ou de Britten, com o seu festival...). Outro caso interessante é o de Massenet, cujo impacto foi enorme em grande parte devido ao seu particular charme com as damas... Bom, e, também, quando a composição deixa de ser um veículo para o nacionalismo ou para a representação de qualquer outro tipo de poder. Vejam o caso, bem sucedido, de Stravinsky, que foi capaz de inventar também a sua “pertinência” em termos sociais.
Isto merecia um post inteiro, ou mehor, vários artigos, porque há outros muitos factores a ter em conta: a “geografia cultural” - a que já se fez referência -, a história, o estatuto da própria música erudita, o papel dos intérpretes como mediadores, quais são as diferenças conforme os géneros ou formatos instrumentais...
Para já não falar da responsabilidade que os próprios compositores têm de procurar o seu lugar sob o sol.
Finalmente (sem termos agora a preocupação de verificar a veracidade da percentagem nos nossos dias), para forçar o pensamento, deveriamos tentar descobrir primeiro nas razões pelas quais a situação deveria ser a inversa. A quem beneficiaria? (e não me parece aceitável usar como argumento o bem da humanidade ou variantes deste).
De facto, começa a estar bastante generalizada, entre os compositores e os apreciadores da música contemporânea, a ideia de que fazem parte de uma subcultura e de que isso não é problema nenhum. Inclusive, pelos vistos, em termos de mercado esses “nichos”, no século XXI, estão a ganhar uma importância crescente.
Prossigamos...

At Quinta-feira, 12 Maio, 2005, Teresa said...
Só mais uma coisita, relativa aos coreógrafo/as e bailarino/as: César, tu conheces bem o meio, sabes se há muitos que saibam ler uma partitura ou que distingam as execuções gravadas da mesma obra entre si? Tenho a suspeita (e aceito que possa estar a ser muito injusta: digamos que é uma pergunta em forma de palpite) de que, uma quantidade significativa de vezes, nos espectáculos de dança, a música é usada mais como fundo do que como elemento integrado no espectáculo.
Façamos mais percentagens...

At Quinta-feira, 12 Maio, 2005, César Viana said...
Na maior parte dos espectáculos de dança (com algumas, apesar de tudo bastantes, excepções)a música tem uma ou as duas de duas funções: ou é um relógio obcessivo que martela os tempos implacavelmente para que os bailarinos saibam a coreografia, ou é um cenário sonoro, surgindo então a música “de ambientes”. Quanto a saber ler uma partitura, depende dos países; em Portugal até vão sabendo, mas não me parece, infelizmente, que esse seja um factor decisivo. Já fizeste algum inquérito para saber que música os membros da generalidade das orquestras ouvem maioritariamente? Sabes qual a altura do ano em que a maior parte dos músicos da Gulbenkian metiam baixa? Durante os Encontros de Música Contemporânea, que “fecharam” entretanto. Penso que nos habituámos ao longo da história da música a uma situação em que a arte era disfrutada por uma elite infimamente minoritária. Com a progressiva democratização seria inevitável algum tipo de divórcio com a generalidade do público, que não dominará os códigos, mas provavelmente nem estará interessado em dominá-los; e porque haveria de o fazer? E essa democratização ainda só chegou ao 1o mundo, imaginem quando chegar (se chegar...) aos 2o e 3o...

Por outro lado, esta mesma democratização fez surgir nas culturas ditas “populares” nichos de excelência verdadeiramente incontornáveis, mas vamos tendendo para catalogar entre “clássico/não clássico”, Jazz/não Jazz, Pop/não pop e isso, evidentemente, contribui para uma progressiva “ghettização” de expressões minoritárias, o que poderia não ser um problema, mas que se passará quando economicamente não for já viável manter as grandes orquestras e companhias de ópera? Não considero de todo como um dado adquirido que as gerações dos meus filhos e netos possam continuar a ouvir Beethoven ou Bartok sem ser em suporte digital. Dificilmente nichos insignificantes numericamente poderão por muito tempo continuar a justificar organismos pesados e altamente deficitários como são as companhias de ópera e orquestras, suportadas pelo dinheiro dos impostos de todos, sendo que a meioria se está borrifando para o assunto. Não estou a criticar; estou a constatar um facto que nos deveria alarmar e fazer reflectir.

At Segunda-feira, 16 Maio, 2005, t. said...
Este debate, ao qual já cheguei tarde, é interessantíssimo.
Vocês já disseram tudo, mas vou só acrescentar umas coisitas:
A música...aquela que é por excelência a arte mais abstracta - anda a ser enxovalhada Toda a gente ouve música. Toda a gente opina sobre música, mas que tipo de “discursos” estão as pessoas habituadas a ouvir e a opinar sobre? Estarão as pessoas “treinadas” para ouvir música erudita? Música improvisada?
Não estão.
Não sabem ouvir, acham uma seca.
De todas as pessoas com quem me cruzo no meio das artes, são os músicos e os cantores aqueles que melhor entendem de que é que nós estamos aqui a falar, mesmo no meio do teatro e no da dança nem actores nem bailarinos OUVEM realmente a música enquanto discurso mental. ( Há excepções, claro mas por o serem, fogem à regra)
Eu estudei música muitos anos, tive a sorte inclusivé de ter o Fernando Lopes Graça como professor, o meu pai era um amante de ópera e ouvia-se muita música clássica lá em casa, tive sorte, tive muita sorte. Mas agora, hoje, nas escolas, o ensino da música é muito infeliz. O meu filho mais pequeno( 4 anos) quando chega às aulas de manhã, tem sempre música na sala de aula - o Batatoon - no outro dia perguntei à professora se não seria mais agradável estarem a ouvir Mozart ( desculpem mas eu acho-o muito divertido e “infantil”) respondeu-me que os miúdos não iriam gostar. O mais velho ( 11 anos )está no Conservatório de dança de lisboa e num ano lectivo, aprendeu a tocar e a cantar vários hit’s da Broadway e agora dos Beatles ( um castigo para mim porque nunca gostei dos beatles) As orquestras, andam a acabar com elas.
Os apoios para a música são escassos.
( No IPAE os subsídios de apoio à música são bastante reduzidos e normalmente são vinculados para Festivais)
Haveria que reeducar as pessoas.
Espalhar novamente a ideia da Arte como prazer sublime da alma.
Mas quê?
Emanuel Nunes????
Quem sabe quem é?
Mas o Castelo Branco toda a gente conhece.
É triste. Mas estamos a viver num país Triste.
Ou não?
Ah.. a título de curiosidade digo-vos que no Teatro, se usa muito a música como “música de fundo” ( como eu detesto esta definição) e nunca como voz activa na narrativa, resultado: nunca se percebe o porquê da sua escolha. São raros os encenadores que têm cultura musical.
o que me dói dizer isto-
Um abraço
Belo blogue.

At Segunda-feira, 16 Maio, 2005, pb said...
Olá T.!
Nunca é de mais um comentário porque afinal este assunto nem sequer tem uma resolução à vista. São questões de fundo que ultrapassam os limites dos nichos culturarais portugueses. É, em Portugal, e antes de qualquer outra coisa, a fundamental e pouco visível educação, e só depois a cultura. Obrigado pelo elogio ao blogue.

At Terça-feira, 17 Maio, 2005, sasfa said...
Concordo 100% com T. Não se podem construir as casas pelo telhado... O problema, não só na música, mas em tudo, é a falta de educação... Os nossos alunos, os professores, os pais e as direcções das escolas não querem profundidade, rigôr, nem sequer honestidade, querem superficialidade, resultados rápidos e bem maquilhados, um sucesso bacoco para inglês ver! A discussão das “quotas” da música contemporânea não fará muito sentido neste contexto!!

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